terça-feira, 13 de março de 2007

Auto-realização

A auto-realização atinge-se quando alguém não se procura a si próprio.
O homem, para se realizar, deve procurar um sentido para a vida fora de si próprio.
Eis um diagnóstico do psiquiatra Viktor Frankl, feito numa conferência realizada na Universidade Gabriela Mistral, em Santiago do Chile, em Junho de 1991: "Todo o ser humano projecta-se, constante e continuamente, para qualquer coisa que existe fora de si próprio, para alguma coisa que existe no mundo exterior, ou para alguém que está nesse mundo, uma pessoa, um ser amado, a quem entregue o seu amor".
Intrínseca e basicamente é isso que ele procura no mundo exterior.

Na medida em que alguém, em vez de se autocontemplar e reflectir sobre si próprio, desejar colocar-se ao serviço de uma causa superior a ele ou amar outra pessoa, acaba por se encontrar com a autotranscendência que, a meu ver, é uma qualidade essencial da existência humana.
Tudo isto tem também uma dimensão biológica. Nada disto é complicado; com um exemplo, perceber-se-á muito melhor:
Os nossos olhos são, de certo modo, autotranscendentes. Quando é que o sentido da vista funciona com normalidade? Quando cumpre a sua própria missão, isto é, compreende, visualmente, o que sucede no mundo. Ironicamente, só pode cumprir a sua função na medida em que não se veja a si próprio.
Em que momento os olhos se apercebem de si próprios? Só quando estão doentes. Se tenho cataratas, dou conta de alguma coisa que não está bem nos meus próprios olhos; ou se existir alguma tensão em determinada região da vista, sintoma de um glaucoma, vejo as cores do arco-íris à volta das luzes. Uns olhos normais não se apercebem de nada de si próprios. O mesmo acontece com o ser humano. A autotranscendência é pois um traço essencial da existência humana.
A auto-realização é boa, mas só se pode obter como efeito secundário, como um subproduto. Não se pode procurar directamente. Deverá chegar até nós não pelo muito que a tenhamos procurado.
Quanto maior for a possibilidade de conhecermos o sentido da nossa vida, maior será a nossa auto-realização, como efeito secundário ou subproduto, sem que por ela exista qualquer preocupação.
Foi Abraham Maslow quem primeiro definiu este conceito de auto-realização assinalando, concretamente, que não é possível correr atrás dela como se fôssemos na sua peugada.
A melhor forma de conseguir a realização pessoal consiste na dedicação a metas desinteressadas.
Na declaração inicial da Constituição dos Estados Unidos fala-se da busca da felicidade: "todos têm direito a procurar a felicidade".
Para mim, contudo, a busca da felicidade constitui uma contradição em si mesma, uma vez que é algo que não se pode perseguir. A felicidade tem de ser a consequência de uma boa acção ou de uma relação amorosa satisfatória.

Se alguém exerce a sua profissão, faz o seu trabalho ou presta assistência à sua família, está a realizar-se sem se preocupar com a sua auto-realização. Por outras palavras, não é possível ter como metas o prazer, a felicidade ou a auto-realização.
Paradoxalmente, logo que se estabelecem como fins, afastam-se.
Inicialmente, o homem nunca luta pelo prazer ou pelo poder, mas por um sentido determinado. Quando alcança esse sentido, como por exemplo a dedicação amorosa a outrém, o prazer produz-se como efeito.
Contudo, há pessoas que não podem encontrar um sentido no seu íntimo e por isso nunca encontrarão o prazer. Essas pessoas buscam o prazer directamente, porque se frustraram no seu desejo de encontrar o seu próprio sentido de vida.

Procurar, pura e simplesmente, esse caminho directo é contraproducente e vai dar sempre a um beco sem saída. Este é um fenómeno que com certeza já todos observámos de uma forma ou doutra, e por isso sabemos que é importante. É a verdadeira causa de muitas neuroses.

A mesma coisa acontece com o poder. Quando uma pessoa carece de sentido, fixa-se normalmente nos meios, isto é, no poder. Por outras palavras: tanto a vontade de poder, descrita por Adler, como o desejo de prazer, de acordo com o princípio freudiano do prazer, são o resultado de uma frustração inicial do desejo original de encontrar um sentido ou uma finalidade para a nossa existência.



(In FOCO n.º 45)

Sem comentários:

Enviar um comentário