sábado, 4 de fevereiro de 2017

E se nós ajudássemos os outros a viver

INTRODUÇÃO

Mafalda Ribeiro tem 32 anos de uma vida invulgar. Estudou jornalismo, mas foi técnica de comunicação numa empresa de ambiente. Não é jornalista na prática, mas é o gosto pelas letras que faz mover a sua cabeça, ainda que as pernas não lhe obedeçam. Convive com a doença rara congénita Osteogénese Imperfeita e desloca-se em cadeira de rodas desde sempre. Publicou em 2008 o seu primeiro livro “Mafaldisses – Crónicas sobre rodas” (4ª edição). É autora, cronista e interventiva na área da exclusão social. Fez uma certificação em Coaching Internacional e é oradora motivacional. É convidada para falar em público acerca da sua visão otimista da vida em empresas, escolas, seminários e foi ainda oradora numa Ignite e dois TEDx. É voluntária em projectos de solidariedade social, tem um olhar humanista e aguçado do mundo e por isso dá a cara e a voz pela inclusão e pela igualdade de oportunidades, sempre que lhe dão tempo de antena. Mafalda Ribeiro não vê limites diante das suas limitações. É uma mulher de palmo e meio, informada, atenta aos pormenores e grata por poder continuar a usufruir da viagem da vida. Celebra-a continuamente com um sorriso... sobre rodas! 
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"Nunca fui autónoma, mas isso não me tornou menos digna em nenhum dos dias, desde que nasci. É por isso que não posso ficar em silêncio, numa altura em que nos preocupamos em como ajudar os outros a morrer

"Enquanto encararmos as nossas incapacidades como tragédias, terão pena de nós. Enquanto sentirmos vergonha de quem somos, as nossas vidas serão vistas como inúteis. Enquanto ficarmos em silêncio, serão outras pessoas a dizer-nos o que fazer” (Adolf Ratzka).
Sim, eu tenho 95% de incapacidade motora, avaliada por uma Junta Médica. Mas a minha vida nunca foi uma tragédia, apesar de todos os “tsunamis” que tive de enfrentar. A minha vida não é inútil porque sei que através dela posso ser relevante para quem acha que já perdeu a esperança. Os outros até podem dizer-me o que fazer, mas a minha liberdade individual levou sempre a melhor, ainda que “aprisionada” numa cadeira de rodas. Sabem porquê? Porque eu nunca tive vergonha de pedir ajuda, para viver. Nunca fui autónoma, mas isso não me tornou menos digna em nenhum dos dias, desde que nasci. É por isso que não posso ficar em silêncio, numa altura em que nos preocupamos em como ajudar os outros a morrer. E se ajudássemos os outros a viver?
Se calhar mais do que ser pró-vida - ao defender a vida independente e assistida e os cuidados continuados e paliativos, ao alcance de todos - sou fundamentalmente contra uma coisa: isto do ser-se “morno” e a descambar para o contraditório. Quem defende o chamado “direito a morrer com dignidade”, não me convence que é a favor da vida. A favor da vida é quem dá, se for preciso, a própria vida (e com isto quero dizer, o seu tempo, a sua entrega, dedicação, presença e atenção) aos outros. É quem ajuda os outros a viver.
Esta semana ouvi uma frase que contraria aquilo que considero óbvio: “SE eu não fizer pelos outros, quem o fará?” - basicamente o resumo de toda a vida de Jesus na terra, aquele que considero ser o maior Mestre da Inclusão, de todos os tempos. Em oposição a isto temos “o mantra da auto-ajuda” que defende: “SE eu não fizer por mim, quem o fará?”.
Achamos que estamos a ser profundamente solidários ao nos colocarmos do lado dos que dizem “sim” a ajudar alguém a acabar com o seu “sofrimento profundo”. Que acto de altruísmo este! Afinal, se não há auto-ajuda, nós damos uma mãozinha…! Pergunto: seremos nós alguma vez capazes, enquanto seres humanos limitados, de compreender o sofrimento de alguém? Seremos nós alguma vez capazes, enquanto seres humanos limitados, de decidir quando ele deve terminar?
Para aqueles que dizem que temos o direito à vida e à morte, não concordo que isto seja assim tão linear. Porque direito à vida, como eu o entendo, não foi uma decisão minha. Primeiro, existi; a seguir é que percebi que estava na vida, logo tinha o direito a vivê-la (no meu caso, prefiro considera-la um dever!), a partir do momento em que fui colocada cá. A vida é para todos uma viagem com principio, meio e fim. Agora, direito a querer morrer, a morrer de facto e a querer que me matem, são coisas totalmente diferentes.
Chamando as coisas pelos nomes: se eu quiser acabar com a minha vida, é suicídio. Se alguém acabar com a minha vida, é homicídio. O resto? Para mim está claro: o resto é um emaranhado de fios que confundem amor-próprio com egoísmo, compaixão com piedade, direitos com deveres, dor com sofrimento e o que significa realmente a tão repetida “dignidade”. Os defensores da eutanásia acham mesmo que ajudar uma pessoa a morrer é estar a fazer algo por ela? Sou obrigada a concordar: ajudar alguém a morrer é tirar-lhe a vida. É, sem eufemismos, matar essa pessoa.
Dentro de dias a agenda mediática vai falar da celebração internacional das Doenças Raras, como é a minha - e atenção que eu sou uma abençoada na minha condição de deficiente. Experimentem pesquisar sobre isso e vão ver que isto de ter uma doença rara é cada vez menos raro. Viver com uma doença terminal, também já deixou de ser raro. Raro é quem tem a capacidade de ajudar os outros a viver. Raro é quem está com o outro como uma extensão de si mesmo - como um leitor fiel e presente - em vez de ter um papel de co-autoria no fim da história. Raro é viver a vida como um milagre diário, agora e até à hora (natural) da nossa
morte.
Mafalda Ribeiro

MORRER


Gostava de morrer quando morrer. Receio dar ordens à morte. E se ela se enganar? E se eu me enganar? E se me faltar tempo? E se cortando a relação com todos ainda me faltar dizer alguma coisa a alguém?


Gostava de morrer como vivi. Com a mesma liberdade, com a mesma teimosia, com a mesma gratidão a quem cuidou de mim.
Gostava de morrer com a mesma liberdade (ou falta dela) com que nasci. Dizem que então chorei e que foi bom tê-lo feito. Dizem que também sofri, pois talvez tendesse a viver para sempre no ambiente fechado em que até então cresci.
Gostava de morrer como nasci. Rodeada do mesmo cuidado. Do mesmo carinho. Como vivi. Procurando beijar as mãos de que tantas vezes dependi. As mãos, os olhos, a atitude dos que, estando perto, me transmitiam certeza, segurança. Me repetiam e me repetem: é bom que existas; é bom que estejas aqui.
Gostava de morrer quando morrer. Receio dar ordens à morte. E se ela se enganar? E se eu me enganar? E se me faltar tempo? Liberdade? E se cortando assim a relação com os outros, com toda a gente, ainda me faltasse dizer alguma coisa a alguém: um pedido, umas palavras de amor, de perdão…? E se rompendo assim a relação comigo própria, não chegasse a encontrar o sentido de tudo isto, da minha vida e da minha morte?
Gostava de morrer quando morrer. Não quero programar o dia em que hão-de chorar por mim. E se não chorarem? E se chorarem pelo abandono a que os votei, não por mim? E as lágrimas forem de quem se dispunha a cuidar-me, tornando-se mais pessoa, mais capaz de sentir o que a une aos outros?
Agarro com as duas mãos, com senhorio, o meu ser em dor. Peço à minha liberdade que me acompanhe até ao fim. Autodetermino-me a morrer quando a morte vier. Quem disse que a dignidade é incompatível com sofrer?
Não permitirei que ninguém me mate. Não sou verso solto. E não quero que por mim, ou seja por quem for, alguns de entre os melhores comecem a desfazer o tecido social, a quebrar os fios da nossa coesão. A vida não é o valor mais alto da existência pessoal: pode dar-se a vida por uma causa, por alguém. Mas a norma das normas, a que estrutura e suporta o viver comunitário, não deve ser tocada e é esta: «não mates outra pessoa».
Cristina Líbano Monteiro
Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

EUTANÁSIA: uma falsa compaixão

      A eutanásia é um termo de origem grega que significa boa morte ou morte sem dor; corresponde ao ato de provocar deliberadamente a morte a um doente incurável para que, através deste falso ato piedoso, se ponha fim ao seu sofrimento.

      Tudo indica que a Assembleia da República se prepara para discutir a legalização da Eutanásia… Mas à semelhança de outros acontecimentos mais ou menos recentes, não podemos esperar, que a discussão seja séria. A legalização da eutanásia conduz a um caminho perigoso, pois, como por vezes já ouvimos, há quem defenda, diante dos custos crescentes da saúde, que a medicina deveria suspender os tratamentos mais onerosos a alguns indivíduos, – por exemplo começando pelos idosos, doentes incuráveis, etc. – concedendo – lhes o “ falso benefício” de uma morte abreviada…

       Não há dúvida de que numa sociedade onde muitas vezes, se atropelam os outros pela ganância e corrupção, tudo pode servir de motivação. E por detrás desta aparente morte misericordiosa, corremos o risco de poderem estar interesses economicistas, pois ao Estado interessa ver-se livre destes encargos de saúde que considera inúteis.

      Outro argumento utilizado para a legalização da eutanásia, que não passa de uma falsidade ridícula, é o de que estas pessoas têm direito a uma morte digna, como se a morte daqueles que decidem de forma corajosa enfrentar os inúmeros sofrimentos e provações que a doença lhes acarreta, fosse uma morte indigna…antes pelo contrário! São heróis e heroínas!

      É bom ter presente que os defensores da eutanásia partem do pressuposto errado que a vida humana não tem sempre o mesmo valor, uma vez que se encontra afetada pelo sofrimento, associado a uma doença incurável que a torna indigna e prescindível…

      É lamentável que esta mesma justificação, tenha sido utilizada pelos nazis já há muitos anos atrás, para aplicarem o seu programa de eugenismo e eutanásia, durante o qual os médicos nazis assassinaram muitos milhares de doentes considerados como “incuráveis”.

     Fica claro que a eutanásia contradiz a própria ética médica, porque se opõe ao grave dever do médico de permanecer ao lado da vida, respeitando-a e procurando preservá-la em todas as situações. A eutanásia é, de verdade, uma compaixão falsificada…. As súplicas dos doentes graves que pedem a morte são, na maioria dos casos, pedidos de ajuda, de afeto, de carinho e de solidariedade. Necessitam do apoio humano e espiritual adequado ao momento de provação. É petição de ajuda para continuar a esperar, quando todas as esperanças humanas se desvanecem, exceto a de que “ a vida humana não se acaba, apenas se transforma “…
      Para um correto juízo moral sobre a eutanásia, é necessário antes de mais, defini-la com clareza. Por eutanásia, em sentido verdadeiro e próprio, deve entender-se como uma ação ou uma omissão que por sua natureza e na intenção causa a morte, com o fim de eliminar qualquer dor…
      S. João Paulo II, diz: “Feitas estas distinções, de acordo com o Magistério dos meus Predecessores, e em comunhão com os Bispos da Igreja Católica, confirmo que a eutanásia é uma grave violação da Lei de Deus, enquanto eliminação deliberada e moralmente inaceitável, de uma pessoa humana”.
      Assim, é por demais evidente, que a eutanásia deve considerar-se como uma falsa piedade, mais ainda, como uma preocupante `perversão` da mesma.  Não resta qualquer dúvida de que a verdadeira, a genuína `compaixão` nos torna solidários com a dor dos demais, e não elimina a pessoa cujo sofrimento é difícil suportar.
       Depois de uma análise clarividente e detalhada, o Papa João Paulo II demonstrou estar esperançado na vitória da “cultura da vida”, sobre a “cultura da morte”. E concluiu: “ Não faltam sinais que já antecipam essa vitória nas nossas sociedades e culturas”…

                                                                                                             Maria Helena Marques

                                                                                                                                                 Prof.ª Ensino Secundário