sexta-feira, 28 de março de 2014

A “Alegria do Evangelho”! …

      É o título da recente Exortação Apostólica do Papa Francisco – Evangelli Gaudium -que, através de breve reflexão, nos leva à conclusão de que o Papa torna ainda mais clara a perspetiva norteadora da Igreja desde sempre e, particularmente, no século XXI.

      Trata-se, na realidade, de uma exortação que nasce da “escuta”, na dinâmica da vida da Igreja e do que é próprio de um dom de Deus. O Papa Francisco, com a frescura própria do coração de Pastor com fortes raízes no solo latino-americano, reaviva com uma admirável simplicidade, o sentido genuíno da vivência do Evangelho. O conhecimento da Exortação do Papa leva-nos a compreender melhor o mais importante desafio da Igreja Católica para os dias de hoje: a insubstituível tarefa que cabe a cada cristão de anunciar o Evangelho no mundo atual.

      Ao falar sobre alegria, um assunto determinante da vida e um interesse comum de todos os homens, sente-se que é imprescindível compreender que no Evangelho de Jesus Cristo a alegria é duradoura. Enche o coração dos que, no dia a dia, vivem a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo. Trata-se de uma alegria genuína, estável, ao contrário de outras que seduzem, mas são passageiras e não têm força para restaurar e preencher o vazio interior, o isolamento e a tristeza. O Papa adverte ainda que o grande risco do mundo contemporâneo, com a múltipla e opressora oferta de consumo, é a produção de uma tristeza individualista que brota do coração ávido na busca doentia de prazeres superficiais.

      Continuando, o Papa reconhece que não é possível encontrar uma alegria verdadeira e estável quando a vida interior se fecha aos próprios interesses, impedindo a escuta de Deus e fazendo morrer o entusiasmo pela prática do bem. Um risco que, sublinha o Papa Francisco, pode atingir também aos que crêem e praticam a fé. Um cenário que constatamos ao encontrar pessoas descontentes, ressentidas, amargas e incapacitadas para cultivar sonhos e projetos, necessários para conduzir a vida na direção do que lhe é próprio, um dom maravilhoso de Deus! A alegria, necessidade natural do coração humano, expressão de uma vida vivida com dignidade, vem com o anúncio, o conhecimento, a experiência e o testemunho do Evangelho de Jesus Cristo.

      Assim, a Igreja que tem a missão de promover a experiência dessa alegria duradoura tem de estar em movimento, ou seja, sempre a caminho. Cabe a cada um de nós tomar a iniciativa de sair e ir ao encontro, renunciando a comodidades e acolhendo o desafio da mudança, da renovação, numa atitude permanente de conversão. É preciso ter a coragem de mudar, de ousar novas respostas, em todos os campos da sociedade, nas suas dinâmicas e projetos. Ao contrário, corre-se o risco de se converter em obstáculo que impede ou dificulta o serviço no anúncio da fonte inesgotável dessa alegria.

      Por isso, o Papa Francisco diz que a Igreja está desafiada por uma exigência de renovação contínua. Para se adequar a esta necessidade, é preciso reconhecer os muitos desafios do mundo contemporâneo. O Papa sublinha que na atual cultura dominante, o primeiro lugar está ocupado por aquilo que é exterior, imediato, visível, veloz, superficial e provisório. O real dá lugar à aparência. Constata-se uma deterioração de valores culturais, com a assimilação de tendências eticamente fracas. Esse processo de renovação consiste numa trabalhosa tarefa de ajudar o mundo a encontrar no Evangelho a fonte perene de alegria duradoura que supõe, sem mais, a coragem e a perseverança de dizer “não” à chamada economia de exclusão, à nova idolatria do dinheiro que dá ao mercado a força de governar e não a de servir, gerando perversidades inadmissíveis. “Não a todo o tipo de iniquidade que gera violência, “não” ao egoísmo mesquinho e ao pessimismo estéril.

      É a hora de compreender e testemunhar a dimensão social da fé, como força e instrumento de uma nova “escuta” prioritária dos pobres…

      Nesse sentido, o Papa convida-nos a procurar corajosamente, novas configurações organizacionais, institucionais e pessoais, apoiados na certeza daquilo que brilha na alegria do Evangelho.

      Francisco afirma que não é tarefa do Papa oferecer uma análise detalhada e completa acerca da realidade contemporânea, mas continua: “ exorto todas as comunidades a terem sempre uma vigilante capacidade de estudar os sinais dos tempos” (EG 51) …

       ”A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”, provocando, sobretudo os cristãos, a agirem no mundo incluindo os pobres, os fragilizados e os indefesos das violações contra a vida humana e pedindo para que se lute pela paz social e se construa um diálogo interdisciplinar entre fé, razão e ciência…

 

Maria Helena Marques
Prof.ª Ensino Secundário

A ideologia do género: uma nova mentira educacional

Está a circular no Senado brasileiro um projecto de lei do Senador Vital do Rêgo de grande perigo para a família e para a educação brasileira. As intenções do político paraibano é colocar no Plano Nacional de Educação uma directriz que obrigue as nossas escolas a ensinarem a ideologia de género. Segundo esta doutrina, que vem sendo semeada de forma perniciosa já faz bastantes anos pela Fundação Ford na Europa e nos EUA, o sexo biológico não determinaria nenhuma função específica de masculinidade ou feminilidade e consequentemente cada cidadão poderia escolher qualquer papel social que mais lhe agrade, assim como sua orientação sexual (no fundo, poderia buscar gratificações sexuais do jeito que queira e com queira). O sexo seria um mero diferencial anatômico e estaria desvinculado do “género” – viver como mulher ou como homem -: cada um gozaria de autonomia para optar e mudar a forma de viver quando e como quisesse.

Esta aberração faz lembrar um episódio tragicómico acontecido nos países nórdicos da Europa, não faz muito. Um casal passeava pela rua com seu carrinho de bebê orgulhoso e feliz desse novo rebento familiar quando se deparou com um velho amigo vizinho. A reação diante do inesperado não podia ter sido mais normal e explosiva: “Parabéns! Então já nasceu! Que felicidade! Menino ou menina?”. A resposta, porém, essa sim foi surpreendente: “Não sabemos ainda! O bebé é que escolherá quando crescer...”. Como vemos, para quem goza ainda de certa normalidade intelectual e psicológica, o facto acima não pode deixar de chocar. Querer desprezar as evidências que a natureza nos oferece parece mesmo um filme de ficção científica, na qual os novos seres desconhecidos gozam de outra natureza.

Efectivamente, foi por essa via que nasceu a ideologia de género nos anos 60, quando as teorias marxistas permeavam a nova cultura modernista. Segundo elas, era preciso combater e destruir a natureza que impõe a “luta de classes sexuais”. A mulher não poderia mais continuar submissa ao homem e por isso era preciso ser criado uma nova “raça” humana, na qual se pudesse gozar realmente dos mesmos direitos e oportunidades. À primeira vista, a intenção era boa, uma vez que a mulher na prática tinha um tratamento bastante inferiorizado em muitos âmbitos, tornando-a vítima de preconceitos, injustiças e políticas segregadoras. Por outro lado, os meios que se utilizaram para conseguir esses ideais mais humanitários demonstraram-se depois ser mais nocivos do que as políticas que se combatiam.

Essa é sempre a estratégia que o “mal” utiliza para conseguir recuperar seus “foros perdidos”. Aproveitando-se de alguma anomalia social chamativa – no nosso caso, as políticas culturais machistas – aparece como anjo da luz, salvador dos fracos, propondo uma solução à primeira vista mais interessante, mais prazerosa, mais libertadora, mais “humanitária” para a felicidade de todos os homens. Depois, na prática, se verifica um verdadeiro engodo. Perguntemo-nos, então: O que será que está por trás da ideologia de género, com a desculpa de conquistas feministas justas? A resposta é alarmante: a destruição da família, seu grande objectivo desde sempre. Destruindo-se a família, destrói-se a perpetuação da pessoa humana. E por que se quer a destruição da família? A resposta a isto nos levaria longe... Mas tentemos entender como isso se dá na realidade.

Os estrategas do mal, inicialmente, procuram confundir as pessoas colocando no mesmo âmbito algumas igualdades entre os homens e mulheres – mesma inteligência, mesma dignidade, mesmos direitos e oportunidades - com algumas diferenças claras do ponto de vista científico –estruturas cerebrais diferentes e com funcionamentos diversos, sistemas hormonais diferentes, afectividade diferente, sentidos externos e internos diferentes, tendências lúdicas diferentes, etc-. Num segundo momento, depois dessa confusão nos sexos, provocam o orgulho humano a requerer uma liberdade absoluta para escolher o género e o prazer que mais lhe convier, “vendendo” de forma maliciosa o prazer sexual como um fim em si mesmo e um direito, totalmente desvinculado dos âmbitos procriativos e unitivos, como se fosse um brinquedo. À primeira vista, parece um avanço na liberdade humana, pois a desvincula do sacrifício da verdade e do bem, como se as escolhas não determinassem o futuro das pessoas. Estas, sendo “ensinadas” nessa nova pedagogia, acreditam que é possível alcançar a felicidade sem esforço, sem sacrifício, sem dor e, portanto, sem amor. Aos poucos os seres humanos vão deixando-se levar por esse feitiço egoísta que os anestesiam para a doação e compromissos sólidos. Convertem-se, sem perceber, para uma vida sem sentido e finalidade. O que os motiva a viver agora é aproveitar o momento presente, consumir coisas e pessoas, perseguir o bem-estar material, alcançar todos os tipos de satisfações sensíveis que as novas tecnologias e laboratórios farmacêuticos lhes possam proporcionar. No final deste processo, quando chegam em geral em torno dos 30 anos, se sentem como pessoas egoístas, solitárias, fracas, animalizadas e, consequentemente, sofrendo muito mais do que antes, pois não nasceram para serem animais irracionais e antissociais, mas pessoas humanas que amam e são amadas. Esse sofrimento não é só físico, mas principalmente psicológico e espiritual. A pessoa humana perde a esperança nela mesma – não tem forças para mais nada! – e como consequência na esperança na própria realização do projecto de homem que é ser feliz vivendo um amor compartilhado. O objetivo final do “mal” foi alcançado: a destruição da pessoa, da família, da liberdade e felicidade humanas.

Diante deste quadro triste que pintamos anteriormente, meu instinto de sobrevivência somado à minha paixão pela defesa da vida e da dignidade humana me obrigam a arregaçar as mangas e a combater a aprovação dessa lei injusta aludida no início. Como educador não posso permitir que a mentira seja espalhada pelo próprio Ministério da Educação que deveria semear e regar a verdade. Infelizmente, quando analisamos as pessoas que comandam a educação deste país, percebemos quase sempre que a grande maioria delas não entende muito de educação e sim de “manipulação” e “jogo político”. Seus interesses estão muito longe das reais necessidades educativas de nossas crianças. Por isso, talvez, não se importem muito com as consequências nefastas que certas políticas públicas possam provocar, como esta em questão. Desde que continuem recebendo apoio político e financeiro de certos organismos internacionais, qualquer meio é justificado. O problema é que elas também serão vítimas um dia, como se tem verificado em factos recentes, com a prisão de vários governantes “mensaleiros”.

Concluo dizendo que é preciso afogar o mal que estão querendo disseminar em nossas escolas com a abundância de luz e de verdade. É preciso formar muito bem e desde cedo as nossas crianças ensinando-lhes que o homem e a mulher são iguais numa série de aspectos metafísicos, antropológicos e de cidadania, mas também são muito diferentes em vários aspectos biológicos, psicológicos e espirituais. É preciso que descubram e se encantem com a beleza das qualidades inatas próprias de cada sexo e como elas podem ser potencializadas quando existe um trabalho sério de educação personalizada. É importante também que saibam que existem muitos outros aspectos, tanto da masculinidade como da feminilidade, que devem ser ensinados e estimulados na família e na escola. Por fim, que o homem e a mulher não precisam viver, como acreditam os ideólogos do género, em estado de guerra ou de competição, mas cada um tem que contribuir com seus dons e talentos próprios para uma maior harmonia familiar e social. Ambos devem se complementar e nessa simbiose existencial cada um colaborar na construção de sua própria identidade pessoal, de forma a consolidar a identidade da família, célula básica de toda sociedade.

João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Centro Cultural e Universitário de Botafogo - www.ccub.org.br. É autor do livro "A Alma da Escola do Século XXI", palestrante sobre o tema da educação e mantém o blog Escola de Sagres (escoladesagres.org). Pesquisador do Grupo de Estudo sobre Ética na Educação da UFRJ

E mail:malheiro.com@gmail.com
Publicado no Portal da Família em 16/03/2014

Pesquisador do Grupo de Estudo sobre Ética na Educação da UFRJ

quinta-feira, 6 de março de 2014

Educar para a amizade


Não podemos viver sem amigos.

« A  amizade é uma virtude, e, além do mais, é o que há de mais necessário para a vida» segundo Aristóteles.

Na pobreza e nos demais infortúnios os amigos, costumam ser considerados como o único refúgio.

A amizade, por outro lado não é característica exclusiva de determinada idade. Os jovens precisam dela para evitar o erro, pois um bom amigo é um bom conselheiro. Os idosos como partilha e inter-ajuda das dificuldades e limitações e dos momentos bons que a vida lhes reserva. Os que estão na flor da idade, para as acções nobres.

A amizade é fundamental para todos os homens, ricos e pobres, grandes ou pequenos, cultos ou incultos.

Em suma, a amizade é necessária para fazer o bem, para conviver com homens bons, para adquirir experiência e sabedoria e para receber ajuda nas necessidades.

É necessário cultivar a amizade, educar as novas gerações para a vida de amizade. Deste modo, não só melhorarão as pessoas uma por uma; mas a própria sociedade, porque a amizade é «germe» e raiz da vida social humana, mas não de uma vida social impessoal, segundo padrões abstractos, como a que reina na nossa sociedade massificada, e sim de uma vida pessoal, íntima, vital e criadora.

O comportamento altruísta obriga-nos a contrariar muitas inclinações e caprichos pessoais. Exige, com frequência, que saibamos prescindir de coisas de que «gostamos» ou daquilo que nos «apetece» para atender ao que o amigo precisa de nós.

Os pais costumam preocupar-se tarde de mais com as amizades dos seus filhos. Não percebem, que o desenvolvimento da conduta sociável durante a infância é uma preparação para as relações pessoais de amizade na adolescência.

Atitudes como a preocupação pelos outros, a ajuda mútua, a compreensão e o respeito, podem ser cultivadas no dia – a - dia desde a primeira infância, por ocasião das experiências sociais vividas em casa.

Uma das causas dessa falta de preocupação educativa no que diz respeito à amizade é a  trivialização  do próprio conceito de amizade nos dias de hoje. A amizade vem sendo entendida, cada vez mais, como uma relação de conveniência : quem tem amigos é mais influente, tem mais possibilidades de conseguir o que deseja pelo caminho mais curto, mesmo que isso signifique ser injusto com outras pessoas. Por meio dessas «amizades» fazem-se bons negócios, ganham-se concursos e obtêm-se empregos.

Estamos a assistir, em consequência, a um processo de desvalorização, do conceito de amizade. As pessoas pensam que, para terem muitos amigos, têm de dar razão aos outros sistematicamente, usar de bajulação e incentivar a vaidade alheia. Pelo menos é o que se lê em certos livros sobre «como fazer amigos» Parte-se do princípio de que ser sincero e honesto com os outros é um obstáculo à amizade.

Os verdadeiros amigos são amigos bons, isto é, são sinceros, leais, respeitosos e generosos, uns com os outros. Ora, estes hábitos operativos bons não se desenvolvem na infância e na adolescência sem o estímulo, a exigência e o bom exemplo dos pais e dos professores.

Por conseguinte, a ajuda educativa neste campo é uma necessidade.

Os filhos precisam de uma ajuda educativa, em primeiro lugar para aprenderem a ser pessoas sociáveis, que conheçam a difícil arte de conviver com todos, mesmo com os que são diferentes e pensam de outro modo. Isso exige o desenvolvimento progressivo de qualidades como a compreensão e a tolerância.

Extraído de "Educar para a Amizade" Geraldo Castillo
Professor da Universidade de Navarra  

A Educação, em momentos determinantes da História…

          No século IV, antes de Cristo (384 – 322), Aristóteles, filósofo grego, recomendava uma série de diretrizes para a educação moral das crianças pois, de outro modo, converter-se-iam em seres rebeldes e indisciplinados. Comparava a educação ética com o treino físico, e explicava que do mesmo modo que nos vamos tornando fortes e ágeis a fazer as coisas que requerem esforço e habilidade, também nos tornamos melhores, ao realizar atos bons. Habituar-se a um bom comportamento faz-nos ser bons, ao mesmo tempo que nos capacita para compreender as vantagens e os motivos da bondade moral. A realização de atos operativos bons, mobiliza a vontade, e impulsiona o controle sobre as inércias e más inclinações – realidade permanente da natureza humana – ao mesmo tempo que vai fazendo com que sejamos seres humanos livres e capazes.

      Estes princípios norteadores foram inquestionáveis durante séculos em grande parte dos países ocidentais, até ao aparecimento e intervenção do filósofo e ilustre pedagogo Jean – Jacques Rousseau; escrevia o pensador francês: “quando penso num rapazinho de dez ou doze anos, são, forte e bem constituído, apenas nascem na minha mente pensamentos agradáveis. Imagino-o brilhante, vigoroso, despreocupado, absorto no presente, feliz com a sua vitalidade. O único hábito que se lhe deveria permitir adquirir era o de não contrair nenhum; prepará-lo para o reinado da liberdade e exercício das suas possibilidades...”

      Rousseau considerava a natureza do dito rapazinho originariamente boa e livre de pecado. Segundo ele, a educação deveria proporcionar terreno adequado onde florescer a sua inata boa natureza. Deste modo, a moral não devia partir de conjuntos de regras externas nem ser socialmente organizada, o que suporia uma afronta ao direito de desenvolver-se com total liberdade. Uma motivação aos seus sentimentos de generosidade, seria suficiente para avançar e flutuar conduzido pela sua amigável natureza; afirmava que uma criança jamais poderá ser acusada de maldade, porque considerava que a má ação depende da má intenção, e isso, “a criança nunca terá”.

      Não temos dúvidas de que as ideias de Rousseau contribuíram bastante para tornar a educação mais humana, numa época de excessiva dureza e inflexibilidade, mas ele próprio ficaria atualmente espantado diante da permissividade reinante nos tempos atuais, devida em grande medida ao peso atribuído aos seus pontos de vista e que tanto influenciaram algumas correntes da pedagogia.

      Com os dados objetivos de que atualmente dispomos, e fazendo uma sucinta análise comparativa aos legados de Rousseau e Aristóteles avalizados pela experiência histórica, deixamo-nos levar pelo senso comum que se inclina a favor de Aristóteles, embora seja Rousseau quem tem dominado dum modo poderoso o pensamento de muitos teóricos da educação. O progressismo que herdou o seu pensamento recusou frequentemente a importância de questões simples e fundamentais como o esforço pessoal, a prática habitual de atos meritórios ou a formação do caráter. O clima tradicional de ordem, com as suas regras e exigências e a insistência nas classificações, foi depreciado como ultrapassado e deprimente moralidade...

      Sobrevalorizando a criatividade e a bondade inata das crianças, foi-se desprezando a sábia e antiga responsabilidade de submetê-las a disciplina, de habituá-las na prática do bem e a movimentar-se com sentido de responsabilidade.

      Foram muitos anos de desrespeito por princípios e valores considerados fundamentais em todos os ciclos da história da humanidade, apoiado na luta contra uma tradição sem sentido que se acusava de excessiva e teorizante. Verificamos que a ultrapassagem de Aristóteles criou muitos problemas bem visíveis nos tempos atuais, dos que destacamos níveis de violência insuspeitados e um fracasso escolar jamais imaginado. Esta dura realidade parece querer dizer-nos que levámos demasiado a sério aqueles que pensavam que o esforço diário pela prática do bem e da virtude, esmagar-nos-ia a todos e de modo especial às novas gerações.

      Sem deixar de considerar como positiva a evolução pedagógica que se alcançou com novas aquisições na perceção do eu, afirmação das diferenças de personalidade e de caminhos, vamos de novo ter à senda das referências essenciais que são, em qualquer circunstância, capazes de conduzir o ser humano ao desenvolvimento harmonioso da sua personalidade e à maturidade do seu ser. Mas reconhecemos também que isto não é recuperável simplesmente através de leis, nem de montantes extraordinários no apoio à educação. Talvez o seja sim, se voltarmos a tomar a sério o que temos vindo a desdenhar e não nos poupemos ao esforço diário para retificar, pouco a pouco, o rumo que com clareza meridiana reconhecemos agora, ser equivocado.

      E assim, chegamos inevitavelmente, mais uma vez, aos conceitos de autoridade, liberdade e responsabilidade na família, educação através de auto – disciplina e do respeito pelos valores éticos fundamentais inscritos desde sempre no coração da humanidade.

      Tinha razão A. Gaisan em V. Humanos, quando afirmava: “Tudo o que é humano pode ser teu e meu, o bom e o mau, a virtude e o vício. Se outros sim… porque tu e eu não?...”

 

                                                                                                  Maria Helena Marques

                                                                                                                      Prof.ª Ensino Secundário

“Quaresma”! O que quer dizer?

Decorrido o período carnavalesco recheado de diversões por todo o lado, na acalmia que agora se faz sentir, perguntamo-nos: Afinal, o que vem a ser a Quaresma? A resposta é rápida e clara: A palavra vem do latim “quadragésima” e é utilizada para designar o período de 40 dias que antecedem a Páscoa, a festa ápice do cristianismo: a Ressurreição de Jesus Cristo, celebrada no Domingo de Páscoa.

Este tempo litúrgico, como tempo de preparação que é, é tempo de escuta da palavra de Deus, de conversão pessoal, de recordação do nosso Batismo, de reconciliação com Deus e com todos os nossos irmãos, recorrendo com mais frequência às “armas da penitência cristã”: a oração, o jejum e a esmola (cf. Mt 6,1-6. 16-18).

Embora seja um tempo penitencial, a Quaresma não é um tempo triste e depressivo. É ocasião de sermos mais dóceis à graça de Deus para derrotarmos `o homem velho` que atua em nós; ocasião de renunciarmos ao pecado que habita nos nossos corações e de nos afastarmos de tudo o que nos separa da vontade de Deus e, por conseguinte, da nossa verdadeira felicidade.

A sua duração inspira-se na simbologia do número quarenta na tradição da Sagrada Escritura: quarenta foram os dias que durou o dilúvio, quarenta foram os anos que o povo hebreu passou no deserto; quarenta dias que Moisés e Elias passaram nas montanhas. Há ainda muitas outras passagens da Bíblia em que aparece o número quarenta, e todas estão sempre associadas á ideia de tempo de penitência. Durante a Quaresma, a Igreja “quer convidar-nos, sobretudo, a reviver com Jesus os quarenta dias que passou no deserto, rezando e jejuando, antes de empreender a sua missão pública” (Papa Bento XVI).

    Como viver a Quaresma

    Durante este tempo especial de purificação, a Igreja propõe-nos uma série de meios concretos que nos ajudam a viver a dinâmica quaresmal e que já mencionámos atrás: a oração, o jejum e a esmola.

    Em primeiro lugar, a oração, é condição indispensável para o encontro com Deus. Mas na Quaresma, além do diálogo com o Senhor, devemos meditar a Sua palavra com mais profundidade, de modo especial temas relacionados com a Paixão de Cristo e os próprios relatos evangélicos. Se pudermos (e quase sempre podemos), façamos o esforço de frequentar mais vezes os Sacramentos, especialmente o da Confissão. E não nos esqueçamos de que a Igreja também nos pede neste tempo litúrgico que rezemos mais pela conversão de todas as pessoas (principalmente daquelas que nos são mais próximas).

    O jejum e as demais mortificações que podemos fazer nas circunstâncias ordinárias da nossa vida, também constituem um meio concreto de viver o espírito da Quaresma. Não devemos procurar fazer grandes penitências. O que, sim, podemos fazer é oferecer a Deus os incidentes diários que nos incomodam, aceitando com alegria os contratempos que podem apresentar-se: o trânsito lento, a chuva inoportuna, o frio ou o calor… Além disso, podemos renunciar às nossas pequenas comodidades – uma sobremesa de que gostamos mais, um programa de televisão, etc. Vale a pena lembrar que a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta – feira da Paixão são dias em que a Igreja pede que todos os fiéis jejuem e se abstenham de carne.

Por fim, de entre as práticas quaresmais que a Igreja nos propõe, o exercício da caridade ocupa um lugar primordial. É o que nos recorda S. Leão Magno: “Estes dias da Quaresma convidam-nos de maneira premente ao exercício da caridade; se devemos chegar à Páscoa santificados no nosso ser, devemos pôr um interesse especialíssimo em adquirir esta virtude, que contém em si todas as outras e cobre uma multidão de pecados”.

A caridade deve ser vivida de maneira especial com aqueles que estão mais perto de nós, no ambiente concreto em que nos movemos. Trata-se de sorrir àqueles com quem não nos damos tão bem (talvez por nossa culpa), de aumentar o espírito de serviço…. Principalmente, pode ser uma oportunidade para aproximarmos de Deus os nossos familiares e amigos: esse é o maior bem que lhes podemos fazer.

A Quaresma é também um tempo propício para lutarmos contra os nossos defeitos mais arraigados. Aproveitar esta época litúrgica para crescermos em humildade que pressupõe o conhecimento próprio, fazendo um exame mais aprofundado da nossa vida, descobrindo o que nos aproxima ou afasta de Deus. A seguir marcaremos metas concretas de melhoria e esforçar-nos-emos para atingi-las…Se alguma vez falharmos, recorreremos com humildade e contrição ao Sacramento da Penitência e recomeçaremos com alegria. Se fizermos da nossa parte o que podemos, Deus ajudar-nos-á dando-nos as graças necessárias para uma verdadeira conversão…

                                                                                                                                           Maria Helena H. Marques

                                                                                                                                           Prof.ª Ensino Secundário

A Consciência à luz da Verdade…


           Vivemos num mundo de contrastes em que se entrecruzam esperanças animadoras e obstáculos que, pela sua natureza e dimensões, nos podem parecer insuperáveis.

      Deparamos com múltiplos fatores que parecem favorecer em muitos homens uma consciência mais amadurecida da dignidade da pessoa, e uma nova abertura aos valores transcendentes, éticos e cristãos.

      No concernente à sociedade, apesar de tantas contradições, encontramos uma ânsia de justiça e de paz mais forte e generalizada; um sentido mais vivo do cuidado do homem pela criação e pelo respeito da natureza; uma procura mais aberta da verdade e dos fundamentos da dignidade humana; um empenho crescente, em muitos setores da população mundial, por uma mais concreta solidariedade internacional e por uma ordem global, na liberdade e na justiça.

      Ao mesmo tempo, vamos assistindo ao desenvolvimento de um maior potencial de energias oferecido pelas ciências e pelas técnicas, à difusão da informação e da cultura; verificamos também o crescimento da exigência ética e, consequentemente, de uma objetiva escala de valores que permita estabelecer as possibilidades e os limites do progresso.

      No que se refere ao campo religioso e cristão, abundam os preconceitos ideológicos e a violenta obstrução ao anúncio dos valores espirituais e religiosos conforme têm vindo a ser notícia em diversos pontos da Terra.

      Mas surgem, simultaneamente, novas e inesperadas possibilidades para a nova evangelização e o rejuvenescimento da vida da Igreja em muitas partes do mundo. É notória a vitalidade e força expansiva de muitos desses núcleos, concretamente no Continente Africano, Estados Unidos, países do Leste Europeu, etc., com um papel cada vez mais importante na defesa e promoção dos valores da pessoa e da vida humana.

      E nós, que fazemos? Procuramos, com frequência, consultar, examinar, ouvir e seguir os ditames da nossa consciência?!

      A consciência é a luz da alma! É o santuário mais íntimo da pessoa humana, expressão máxima da liberdade e da capacidade de dar sentido à própria existência, onde se afere o que é bem e o que é mal, onde se adota o sentido radical da vida, onde se tomam as opções que a guiam e comprometem.

       A consciência é o encontro das mais nobres faculdades humanas: a inteligência, a vontade, a liberdade. Por isso, ela tem de ser iluminada pela verdade, sustentada pela capacidade de decisão e exprimir-se livremente.

      O exercício da liberdade deveria ser sempre uma opção de consciência! Mas se esta se apaga, o homem fica às escuras e pode cometer todos os atropelos possíveis contra si mesmo e contra os demais.

       Não se pode violentar a consciência pressionando-a, iludindo-a com falsas verdades, desviando-a do essencial da sua responsabilidade. Violentar a consciência é o mais grave atropelo da dignidade humana. Porque a relação que existe entre a liberdade do homem e a lei de Deus tem a sua sede viva no coração da pessoa, ou seja, na sua consciência moral: no fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e à fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faz isto, evita aquilo…

     “ Cada um de nós tem no seu coração uma lei escrita pelo próprio Deus: a nossa dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que seremos julgados “ (cf. Rom 2, 14-16).

      Diante de tal dignidade e responsabilidade, reconhecemos a necessidade imperiosa de a consciência ser iluminada pela verdade. Pela Verdade objetiva revelada!

      Formar a própria consciência é sempre, mas sobretudo nas questões mais graves, procurar ajustá-la à luz dessa Verdade...

      Para o caminhante que verdadeiramente deseja chegar bem ao seu destino, o mais importante é ter claro o caminho. Agradece os sinais claros, ainda que alguma vez indiquem um percurso um pouco mais estreito e difícil e fugirá dos caminhos que embora amplos e cómodos, não conduzem a nenhuma parte, ou levam a um precipício…

      Devemos ter o máximo interesse em formar bem a nossa consciência, pois é a luz que nos faz distinguir o bem do mal e com a cooperação da inteligência e da vontade, optar pelo bem.

      Por outro lado a luz que há em nós deve, necessariamente, irradiar e projetar-se naqueles que estão ao nosso lado, particularmente, as crianças e os jovens. É grande a nossa responsabilidade! Os filhos, os alunos, os colegas fixam-se no nosso comportamento que lhes deve falar de doutrina e vida. Fazer e ensinar…Ir à frente!

      Mas ir à frente sem perder de vista que a consciência do cristão precisa de ser iluminada continuamente, não apenas pela luz natural, mas pela Palavra de Deus e ensinamentos da Igreja, coerente e unânime, com longa tradição…

      Só a luz da Verdade indica com clareza e segurança o caminho a seguir e a decisão a tomar, em liberdade e com humildade!

 

                                                                                                  Maria Helena Marques

                                                                                                                      Prof.ª do Ensino Secundário

"A miséria não coincide com a pobreza"

À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual. A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas, o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria, a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.

Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a esperança! E quantas pessoas se vêem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos auto-suficientes, vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.

O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana.

Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.


(Extracto da Mensagem do Santo Padre Francisco para a Quaresma)