No exercício
de uma autêntica liberdade, necessitamos de coragem para procurar a verdade,
para segui-la e para nos mantermos libertos em relação ao ambiente circundante,
que tende a impor os seus modos e os seus comportamentos...
Um dos
desafios que se nos apresenta, aos nossos contemporâneos e, particularmente, à
juventude, consiste em aceitar não viver simplesmente na exterioridade das
aparências, mas antes no empenho por desenvolver o interior como elo unificador
do ser e do agir, reconhecendo a nossa dignidade de criaturas.
Hoje, como
sempre, precisamos de não nos deixarmos aprisionar pelas cadeias exteriores –
como o relativismo, a busca do poder e do lucro a todo o custo, a droga,
relações afectivas desordenadas, a confusão ao nível do casamento, o não
reconhecimento do ser humano em todas as etapas da sua existência...
São muitos os
conceitos de liberdade em voga nos tempos actuais, mas nem sempre nos apontam o
verdadeiro sentido dela, antes ao contrário, dão-nos definições erróneas ou
equivocadas.
Consideramos
que a essência da liberdade reside na liberdade interior, ou seja, é da nossa
consciência que provém a vontade de agir exteriormente. Por isso, acto livre é
aquele que é realizado conscientemente e por vontade própria, não em estado
inconsciente, ou por coacção.
O filósofo
Aristóteles, na sua obra Ética a Nicómaco, apresenta como livre quem tem em si
mesmo o princípio para agir ou não agir. É o agente, ele próprio, que
estabelece os motivos e os fins da sua acção, sem ser forçado por ninguém.
A propósito,
recordamos a história verídica ocorrida na Europa no século XX, em que a
personagem relata que os pais, um irmão e sua mulher tinham morrido nas câmaras
de gás. Ele mesmo tinha sido torturado e submetido a inúmeras humilhações.
Durante meses correu o risco permanente da câmara de gás, ou de ficar junto
daqueles cujos corpos iriam ser levados aos fornos crematórios, para retirar a
seguir as cinzas.
Frankl tinha
nascido em Viena e era de origem judia, condição que o tinha conduzido até
àqueles campos de concentração nazis da Segunda Guerra Mundial. Ali, foi
testemunha e vítima de um gigantesco desprezo pelo homem, de um montão de
vexames e factos repugnantes que, pela sua dimensão e crueldade, constituíram
uma triste e assombrosa novidade na história. Frankl era um jovem psiquiatra,
formado na tradição da escola freudiana e determinista por convicção. Pensava
que aquilo que nos acontece em crianças marca o nosso carácter e a nossa
personalidade, de tal maneira que o nosso modo de entender as coisas e de
reagir perante elas, fica já essencialmente fixado para o futuro. Apesar disso,
num determinado dia, permanecendo isolado no seu pequeno quarto, Frankl começou
a tomar consciência do que denominou “liberdade última”, um reduto da sua
liberdade que, jamais, lhe poderiam tirar. Os seus vigilantes podiam controlar
tudo à sua volta. Podiam fazer o que quisessem com o seu corpo. Podiam
inclusivamente, tirar-lhe a vida. Mas a sua identidade básica ficaria sempre a
salvo, apenas à mercê dele próprio.
Compreendeu
então, com uma nova luz que ele era um ser auto – consciente, capaz de observar
a sua própria vida, capaz de decidir de que modo tudo aquilo poderia afectá-lo.
Entre o que estava a acontecer e o que ele fizera, entre os estímulos e a sua
resposta, estava pelo meio a sua liberdade, o seu poder para mudar essa
resposta. Como fruto destes pensamentos, Frankl esforçou-se por exercitar essa
parcela de liberdade interior. Os seus carcereiros tinham uma maior liberdade
exterior, tinham mais opções para escolher. Mas ele podia ter mais liberdade
interior, mais poder interno para decidir acertadamente entre as poucas opções
que se lhe apresentavam. Graças a essa atitude mental, Frankl encontrou forças
para permanecer fiel a si mesmo. E converteu-se assim num exemplo para os que o
rodeavam, inclusivamente, para alguns dos guardas. Ajudou outros companheiros a
encontrar sentido para o sofrimento. Alentou-os para que mantivessem a sua
dignidade de homens dentro daquela vida terrível dos campos de extermínio. A
sua vida, precisamente naquele momento de tanto desprezo pelo homem, em que uma
vida humana não valia nada, tornou-se especialmente valiosa.
Frankl
compreendeu com maior profundidade um princípio fundamental da natureza humana:
entre o estímulo e a resposta, o ser humano tem a liberdade interior de
escolher.
Uma liberdade
que nos singulariza como seres humanos. Nem sequer os animais mais
desenvolvidos têm esse recurso: estão programados pelo instinto ou pelo
adestramento, mas não podem dirigir em nada esse programa, e nem sequer têm
consciência de que exista.
Ao contrário, como
seres humanos podemos formular os nossos próprios programas e consegui-los.
Podemos elevar-nos por cima de nós próprios, dos nossos instintos, dos nossos
condicionamentos.
Não quer
dizer que esses condicionamentos não influam, mas nunca poderão chegar a eliminar
a nossa liberdade!
São esses
dons, especificamente humanos, os que nos elevam muito acima do mundo animal! E
na medida em que os exercitemos e desenvolvamos, estamos a exercitar e a
desenvolver o nosso mais rico e precioso potencial humano...
Maria Helena H. Marques
Professora do Ensino Secundário
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