A sociedade
portuguesa e internacional, vive uma situação de crise generalizada e de
aumento das desigualdades sociais, e está a ser conduzida por grupos detentores
de avultadas fortunas, adquiridas e geridas sem terem em conta o
desenvolvimento sustentável do mundo, a justiça e equidade entre os homens.
As situações de desemprego, trabalho
precário, salários baixos e pensões reduzidas continuam a ser actualmente,
factores de crescimento da pobreza e motivo de contestações e reivindicações,
mais ou menos generalizadas...que vêm desacreditando a política, os agentes
económicos, o valor do exercício da cidadania entre os trabalhadores e a
sociedade em geral!
Apesar das alterações que o conceito de
trabalho foi sofrendo desde os primórdios da Humanidade até aos nossos dias, preenchendo
páginas da história com novos domínios e novos valores, ele permanece e
robustece-se como um dom e um direito.
Recordamos como do Egito à Grécia e ao
Império Romano, atravessando os séculos da Idade Média e do Renascimento, o
trabalho foi, sucessivamente, considerado como um sinal de opróbrio, de
desprezo, de inferioridade. Esta concepção atingia o estatuto jurídico e
político dos trabalhadores, escravos e servos.
Com a evolução das sociedades,
os conceitos alteraram-se. O trabalho – tortura, maldição – deu lugar ao
trabalho como fonte de realização pessoal e social, o trabalho como meio de
dignificação da pessoa.
Na nossa sociedade actual, apesar das
dificuldades reais que atravessa, tem sido elevado e reconhecido como factor
estruturante da organização económica, política e social. Ele é a relação
social fundamental, na medida em que estrutura não somente a nossa relação com
o mundo, mas também as nossas relações sociais... Por outro lado, consolida-se
a ideia de que o homem, com o trabalho, adquire um engrandecimento pessoal,
elevando-se como ser humano e social, modificando o mundo material em que vive.
Esta concepção actual é moderna, face ao entendimento antigo e medieval.
Na nossa perspectiva, apraz-nos acentuar
o trabalho como um dos grandes valores da vida humana, sobretudo o trabalho
orientado por princípios cristãos e a moralidade que deles advém.
O trabalho é condição essencial da vida
humana. Aparece, claramente, no Livro do Génesis, I,28, em que o homem surge
como participante da Criação, dizendo: “Sujeitai a terra... Dominai sobre os
peixes do mar, sobre as aves do Céu, e sobre todos os animais que se movem
sobre a Terra”. Este domínio, exige
trabalho.
Como manifestações concretas da
cooperação na Obra da Criação, aí estão milhares e milhares de iniciativas a
testemunhar a glória de Deus – Criador, que não estavam presentes na Natureza,
no seu estado original. Inovações e invenções que foram trabalhadas a partir de
matérias-primas da natureza: a electricidade, os instrumentos de trabalho e os
instrumentos musicais; novos medicamentos; aparelhos eléctricos e electrónicos,
como a televisão e o computador; veículos de locomoção, como os automóveis,
aviões e submarinos. Sem falar em tantas receitas de culinária, que foram
“criadas”, inventadas pelo homem.
Trabalhar, para um cristão, é o modo de
fazer render os talentos, potencialidades pessoais recebidas gratuitamente,
para a realização da missão que lhe foi confiada... Assim, trabalhar não é
apenas para a nossa glória pessoal, a
nossa realização; mas acima de tudo, para manifestar a bondade e perfeição de
Deus Criador, ao mesmo tempo que colaboramos para o bem comum da humanidade.
A dimensão sobrenatural do trabalho
Foi
a partir de 1928 que S. Josemaria Escrivá de Balaguer, por inspiração divina,
veio afirmar que todo o trabalho humano honesto, pode e deve orientar-se, na conduta
do cristão, para realizar o plano de Deus. Recordava que a vocação humana,
profissão, aspirações nobres, inclinações generosas, que configuram a
actividade de cada pessoa – é parte essencial da vocação divina.
Afirmava, fundamentalmente, que toda a
ocupação honesta pode ser santificada e santificadora! Isto soou a novidade e
opunha-se-lhe essa concepção antiga do trabalho como coisa vil e, inclusivamente,
como um estorvo para a santificação dos homens.
Em uma das suas homilias, no livro
“Cristo que Passa”, lemos que o trabalho ao acompanhar a vida do homem sobre a
terra, traz associado o esforço, a fadiga e o cansaço, como manifestações da
dor e da luta que fazem parte da nossa existência humana e que são sinais da
realidade do mal e da necessidade da redenção. “Mas o trabalho em si mesmo não
é uma pena, nem uma maldição ou um castigo: os que falam assim não leram a
Sagrada Escritura”.
Afirmava ainda que os cristãos devemos
dizer bem alto que o trabalho é um dom de Deus... Que o trabalho, todo o trabalho,
é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação. É ocasião
de desenvolvimento da personalidade. É vínculo de união com os outros seres;
fonte de recursos para sustentar a própria família, meio para contribuir para
melhorar a sociedade em que vivemos, e para o progresso de toda a Humanidade.
E continua, dizendo que para além de tudo
isto, “o trabalho ao ser assumido por Cristo – nos seus trinta anos de vida
oculta – apresenta-se-nos como realidade redimida e redentora e, por isso, não
é apenas o âmbito em que o homem vive, mas é também meio e caminho de
santidade...” (n.º 47, Cristo que Passa).
O seu ensinamento ajuda-nos a descobrir
que o estudo ou qualquer outro trabalho se bem feito e por um motivo
sobrenatural, enaltece-se... E a par do enorme valor humano e social do
trabalho, manifesta também o seu valor redentor: trabalho bem feito até ao
pormenor, realizado com competência técnica e profissional e levado a cabo com
rectidão moral, com lealdade e com justiça.
Com
estas condições, o trabalho profissional do cristão aparece como algo santo,
santificador e, se oferecido a Deus, será oração!...
Maria
Helena H. Marques
Professora do Ensino Secundário
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