Os
sofrimentos e doenças dos homens sempre foram mais ou menos considerados como dificuldades
que atormentam as suas vidas.
Por isso não há explicação fácil para o
sofrimento, e muito menos para o dos inocentes. Muitas vezes o sofrimento
escandaliza, surpreende, porque a dor continua a ser um mistério. Um mistério
que apenas o cristão com fé, vai aprendendo a descobrir e a conviver com essa
realidade, do melhor modo possível, apesar de muitas vezes se apresentar
dolorosamente inexplicável ou incompreensível.
A dor apresenta-se de muitas formas e em
nenhuma delas é espontaneamente querida por alguém. Mas isto não significa que
nesses momentos nos devamos encher de compaixão por nós mesmos, que não devamos
ser fortes na doença e solícitos na procura dos meios com que podemos
ultrapassá-la, ou que nos deixemos abater por qualquer sofrimento. Nesse caso,
não faríamos outra coisa, porque tem de haver sempre nesta vida algumas
contrariedades, angústias e dores. Pelo contrário, devemos reagir, impedindo a
imaginação de transformar qualquer incomodidade em tragédia, reduzindo os
padecimentos às suas verdadeiras dimensões. Mais ainda: devemos “esquecer” as
nossas mágoas para pensar nos outros e servi-los, como é próprio da primeira de
todas as virtudes, a Caridade.
Contam os biógrafos de destacado
personagem que gozava da fama de santidade que em determinada ocasião foi
procurado por uma mãe que levava nos seus braços uma criança que acabava de
falecer. Era viúva, e esse menino era o seu único filho, que constituía todo o
seu amor e alegria de viver. A mulher atendendo à sua idade, já não poderia ter
mais filhos. Ouvindo os seus gritos, as pessoas pensavam que estaria louca pela
dor e que por isso, pedia o impossível.
Mas contrariamente, o dito profeta pensou
que, se não podia ressuscitar o menino, poderia ao menos mitigar a dor daquela
mãe ajudando-a a compreender. Por isso disse-lhe que, para curar o seu filho,
necessitava de umas sementes muito especiais, umas sementes que se teriam
recolhido numa casa em que, nos últimos três anos, não se teria sofrido uma
grande dor ou suportado a morte de um familiar. A mulher, ao ver aumentada a
sua esperança, percorreu a cidade à procura da casa em que existiriam essas
milagrosas sementes. Bateu a muitas portas. Numa tinha falecido um pai ou um
irmão; noutras alguém tinha perdido o uso da razão; nas casas mais afastadas
havia um paralítico ou um jovem gravemente doente. Chegou a noite e a pobre mãe
regressou com as mãos vazias, mas com paz no coração. Tinha descoberto que a
dor era algo partilhado por todos os humanos.
Não se trata de que, perante o sofrimento,
recorramos ao velho ditado “mal de muitos é conforto”, mas sim aceitar com
simplicidade que o homem, todo o homem, seja qual for a sua situação, está como
que atravessado pela dor. Trata-se de compreender que se pode e se deve ser
feliz apesar dessa presença constante da dor, pois é impossível viver sem ela,
é uma herança que recebemos todos os homens e mulheres sem exceção.
O que este episódio nos ensina é que pior do que a mesma dor, é o engano de pensar que somos apenas nós os que sofremos, ou os
que mais sofremos. O pior é que a dor nos converta em pessoas
egoístas, em pessoas que só têm olhos para ver os próprios sofrimentos.
Compreender com mais profundidade a dor dos demais, permite-nos medir e situar
melhor o que nos acontece.
Não é fácil dar resposta ao mistério da
dor. É verdade que existem algumas explicações que nos fazem vislumbrar o
seu sentido, ainda que sempre se nos apresentem insuficientes diante da
tragédia do mal no mundo, perante o sofrimento dos inocentes ou o triunfo – ao
menos aparente – dos que fazem o mal. É um tema de reflexão de suma
importância, um enigma em que no nosso modo de ver, apenas a partir de uma
perspetiva cristã se pode avançar realmente para a entranha do problema; mas
deve ser uma reflexão que não nos distraia da batalha diária em perceber e
enxugar a dor das demais pessoas, por diminuí-la, por tratar de fazer dessa
experiência algo que nos ensine, que nos faça mais fortes, que não nos destrua.
Referimo-nos à batalha contra a
desesperança, contra esse estado anímico que dilacera a alma de tantas pessoas
que não encontram sentido para o que acontece nas suas vidas, que as faz
arrastar os pés da alma, caminhar pela vida com o fatalismo dramático com que
um peixe percorre as bordas do seu aquário. A dor própria é talvez a melhor
advertência para reparar na dor dos demais, para manifestar-lhes o nosso afeto
e a nossa proximidade, e tornar assim mais humano o mundo em que vivemos.
Maria Helena Marques
Prof.ª Ensino Secundário
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