terça-feira, 7 de março de 2017

A "CIÊNCIA" DA DOR

        Os sofrimentos e doenças dos homens sempre foram mais ou menos considerados como dificuldades que atormentam as suas vidas.
      Por isso não há explicação fácil para o sofrimento, e muito menos para o dos inocentes. Muitas vezes o sofrimento escandaliza, surpreende, porque a dor continua a ser um mistério. Um mistério que apenas o cristão com fé, vai aprendendo a descobrir e a conviver com essa realidade, do melhor modo possível, apesar de muitas vezes se apresentar dolorosamente inexplicável ou incompreensível.
      A dor apresenta-se de muitas formas e em nenhuma delas é espontaneamente querida por alguém. Mas isto não significa que nesses momentos nos devamos encher de compaixão por nós mesmos, que não devamos ser fortes na doença e solícitos na procura dos meios com que podemos ultrapassá-la, ou que nos deixemos abater por qualquer sofrimento. Nesse caso, não faríamos outra coisa, porque tem de haver sempre nesta vida algumas contrariedades, angústias e dores. Pelo contrário, devemos reagir, impedindo a imaginação de transformar qualquer incomodidade em tragédia, reduzindo os padecimentos às suas verdadeiras dimensões. Mais ainda: devemos “esquecer” as nossas mágoas para pensar nos outros e servi-los, como é próprio da primeira de todas as virtudes, a Caridade.
      Contam os biógrafos de destacado personagem que gozava da fama de santidade que em determinada ocasião foi procurado por uma mãe que levava nos seus braços uma criança que acabava de falecer. Era viúva, e esse menino era o seu único filho, que constituía todo o seu amor e alegria de viver. A mulher atendendo à sua idade, já não poderia ter mais filhos. Ouvindo os seus gritos, as pessoas pensavam que estaria louca pela dor e que por isso, pedia o impossível.
      Mas contrariamente, o dito profeta pensou que, se não podia ressuscitar o menino, poderia ao menos mitigar a dor daquela mãe ajudando-a a compreender. Por isso disse-lhe que, para curar o seu filho, necessitava de umas sementes muito especiais, umas sementes que se teriam recolhido numa casa em que, nos últimos três anos, não se teria sofrido uma grande dor ou suportado a morte de um familiar. A mulher, ao ver aumentada a sua esperança, percorreu a cidade à procura da casa em que existiriam essas milagrosas sementes. Bateu a muitas portas. Numa tinha falecido um pai ou um irmão; noutras alguém tinha perdido o uso da razão; nas casas mais afastadas havia um paralítico ou um jovem gravemente doente. Chegou a noite e a pobre mãe regressou com as mãos vazias, mas com paz no coração. Tinha descoberto que a dor era algo partilhado por todos os humanos.
      Não se trata de que, perante o sofrimento, recorramos ao velho ditado “mal de muitos é conforto”, mas sim aceitar com simplicidade que o homem, todo o homem, seja qual for a sua situação, está como que atravessado pela dor. Trata-se de compreender que se pode e se deve ser feliz apesar dessa presença constante da dor, pois é impossível viver sem ela, é uma herança que recebemos todos os homens e mulheres sem exceção.
      O que este episódio nos ensina é que pior do que a mesma dor, é o engano de pensar que somos apenas nós os que sofremos, ou os que mais sofremos. O pior é que a dor nos converta em pessoas egoístas, em pessoas que só têm olhos para ver os próprios sofrimentos. Compreender com mais profundidade a dor dos demais, permite-nos medir e situar melhor o que nos acontece.
      Não é fácil dar resposta ao mistério da dor. É verdade que existem algumas explicações que nos fazem vislumbrar o seu sentido, ainda que sempre se nos apresentem insuficientes diante da tragédia do mal no mundo, perante o sofrimento dos inocentes ou o triunfo – ao menos aparente – dos que fazem o mal. É um tema de reflexão de suma importância, um enigma em que no nosso modo de ver, apenas a partir de uma perspetiva cristã se pode avançar realmente para a entranha do problema; mas deve ser uma reflexão que não nos distraia da batalha diária em perceber e enxugar a dor das demais pessoas, por diminuí-la, por tratar de fazer dessa experiência algo que nos ensine, que nos faça mais fortes, que não nos destrua.
      Referimo-nos à batalha contra a desesperança, contra esse estado anímico que dilacera a alma de tantas pessoas que não encontram sentido para o que acontece nas suas vidas, que as faz arrastar os pés da alma, caminhar pela vida com o fatalismo dramático com que um peixe percorre as bordas do seu aquário. A dor própria é talvez a melhor advertência para reparar na dor dos demais, para manifestar-lhes o nosso afeto e a nossa proximidade, e tornar assim mais humano o mundo em que vivemos.

                                                                            Maria Helena Marques

      Prof.ª Ensino Secundário

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