sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A FAMÍLIA assente no verdadeiro AMOR...

      Numa época em que a família está a ser maltratada, em que se perdem as verdadeiras referências, é necessário recordar sobretudo aos jovens que se destinam ao matrimónio, alguns princípios e regras do matrimónio cristão.

      Mas para além dos princípios, fazem falta os conselhos para formar uma família capaz de atravessar todas as dificuldades da vida, uma família fundada sobre um amor verdadeiro, e não sobre o egoísmo.

      O Matrimónio, é uma vocação cristã, e entre as vocações às quais os homens estão chamados pela Providência, o matrimónio é uma das mais nobres e elevadas. Pelo matrimónio, o homem e a mulher tornam-se colaboradores de Deus na obra da criação e são chamados a santificar-se mutuamente, recebendo ao mesmo tempo, a missão de formar, pela educação, o coração, a inteligência e a vontade dos filhos que lhes são confiados, até chegar o dia em que aqueles estão finalmente capazes de se conduzirem por si próprios.

      O Casamento foi instituído por Deus! Não foi estabelecido por uma lei humana, nem inventado por alguma civilização. Ele antecede toda a cultura, tradição, povo ou nação. É uma instituição divina.

      O casamento não é uma sociedade entre duas partes, onde cada uma coloca as suas condições. Deus é quem estabelece as condições, não o homem ou a mulher. Nem os dois de comum acordo. Nem as leis do país. Quem se casa deve aceitar as condições estabelecidas por Deus. E não há nada a temer porque, como sabemos, Deus é amor e infinitamente sábio.

     * O fundamento do Casamento

      A base do casamento é a vontade comprometida pelo pacto mútuo, e não o amor sentimental.

     * O Amor

      Em nossos dias, existe o conceito generalizado de que o amor sentimental é a base do casamento. Certamente que o amor sentimental é um ingrediente importante do casamento, mas não é a sua base.

      Deus não poderia estabelecer algo tão importante sobre uma base tão instável como os sentimentos. Na realidade, muito do que se chama de “amor”, é egoísmo disfarçado. O amor romântico, busca a satisfação própria ou o benefício que pode ter através do outro.

      Diversas razões podem modificar os nossos sentimentos: problemas de convivência, maus – tratos, faltas de caráter do cônjuge, o surgimento de alguém mais interessante, etc. Depois de algum tempo, muitos casamentos chegam a esta triste conclusão: “Já não nos amamos. Devemos separar-nos”.

 *A vontade comprometida

      Quando um homem e uma mulher se casam, fazem um pacto, uma aliança. Comprometem a sua vontade para viverem unidos até que a morte os separe. Deus responsabiliza-os pela decisão (Ec 5.4-5; Mt 5.37).

      Nem sempre podemos controlar os nossos sentimentos, mas a nossa vontade, sim. Quando os sentimentos “balançarem”, o casamento manter-se-á firme pela fidelidade ao pacto matrimonial. Cristo é o nosso Senhor e a nossa vontade está sujeita à dele. Desta maneira, ainda que atravessemos momentos difíceis, a unidade matrimonial não estará em perigo.

      *O Casamento é que sustenta o amor

      Anda em voga um conceito errado: “acabou o amor, acabou o casamento”. Mas a vontade de Deus é que todos os casados se devem amar. É um mandamento. Deus não diz que o casamento subsiste enquanto durar o amor. Os cônjuges podem desobedecer a Deus e não se amarem, todavia isto não invalida a união. Deus diz que eles devem amar-se porque estão unidos em casamento (CI 3,19; Tt2.4).

      O verdadeiro amor (ágape) existe quando alguém pensa no bem do outro, quer fazê-lo feliz, nega-se a si mesmo, dá-se, suporta, perdoa, etc. Com este entendimento, o verdadeiro amor aflora, cresce e torna-se estável. Este tipo de amor não anula o amor romântico, mas santifica, embeleza, e torna-o durável (CI4.10).

      * O Casamento é Sagrado e Indissolúvel

      “ Por isso deixará o homem a seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e serão os dois uma só carne. Portanto o que Deus uniu não o separe o homem” Mc 10.7 – 9).

       * Divórcio?

        Deus exige lealdade ao pacto matrimonial por isso, aborrece o divórcio…

       Pois eu detesto o divórcio, diz o Senhor Deus de Israel” MI 2. 14-16.

  *  Recasamento?

      “Quem repudiar sua mulher e casar com outra, comete adultério contra aquela. E se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério”Mc 10. 11 – 12.

      Entretanto, sobre este processo dinâmico do amor conjugal, incidem de modo sensível as pressões externas desagregadoras, que querem abalar a indissolubilidade do vínculo matrimonial. Então, esses fatores desagregadores deverão ser firmemente combatidos, com o objetivo de ser consolidada a estabilidade familiar.

      As pressões externas podem ser motivadas por salário insuficiente ou desemprego; pela propaganda escrita, falada e televisiva (filmes, telenovelas, etc), que incentiva a busca desenfreada do prazer, do conforto material, e do sucesso pessoal...

      Mas os esposos, unidos por Deus, estão acima de tudo chamados a preservar e procurar juntos a felicidade ameaçada, reforçando o seu pacto de amor conjugal…

Maria Helena Marques
Prof.ª Ensino Secundário

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

"O NATAL, uma profecia de PAZ para o século XXI!"

    É Natal! “Um Menino nos nasceu, um filho nos foi dado” ( Is. 9,5). Essas palavras do Profeta realizaram o Natal de Jesus Cristo.

     Hoje, como nos tempos de Jesus, o Natal não é um conto para crianças, mas a resposta de Deus ao drama da humanidade em busca da paz verdadeira.

      Recordamos a passagem do profeta Miqueias, que trata da vinda do Messias, explicando que o Natal é “uma profecia de paz para cada homem”, para os homens de boa vontade! Recorda que, sobretudo os cristãos, se devem empenhar seriamente, em serem construtores e “semeadores de paz e alegria”.

      Por tudo isto, esta profecia deve empenhar-nos a intrometer-nos no que parece fechado, nos dramas frequentemente ignorados e escondidos, e nos conflitos do ambiente em que vivemos, adoptando os sentimentos de Jesus, para sermos, em todos os lugares, instrumentos e mensageiros da paz.

      Aos cristãos cabe-nos “levar o amor onde há ódio, perdão onde há ofensa, alegria onde há tristeza e verdade onde há erro”, conforme uma conhecida oração franciscana.

      Ele mesmo, Jesus, será a paz. Cabe a cada um de nós abrir o coração, destrancar as portas para acolhê-lo. Aprendamos de Maria e de José: coloquemo-nos com fé ao serviço do desígnio do Senhor. Ainda que não compreendamos plenamente, confiemo-nos à Sua sabedoria e bondade. Busquemos primeiro o Reino de Deus e a Providência nos ajudará...

      Fixando-nos especialmente, na situação da Terra Santa e de Belém, a cidade natal de Jesus Cristo, admitimos que se trata de “ uma cidade – símbolo da paz, na Terra Santa e no mundo inteiro”.

       Mas infelizmente, em nossos dias, esta não representa uma paz alcançada e estável, mas uma paz trabalhosamente procurada e esperada.

      No entanto, não podemos resignar-nos a esta situação e, por isso, também este ano em Belém e no mundo inteiro, se renovará na Igreja o Mistério do Natal. 

      Mistério do Natal! Proposta de salvação para todos os homens, de todos os tempos, de todos os lugares! 

      Alegria e paz, a mensagem mais forte do Natal! Por isso, tal como os pastores de Belém, também cada um de nós é convidado a alegrar-se porque “nasceu para nós, o Salvador do Mundo”!

      Acreditamos escutar uma mensagem transbordante de alegria e digna de todo o apreço: “Cristo Jesus, o Filho de Deus, nasceu em Belém de Judá!”

      Apesar dos “pesares”, dos problemas que nos preocupam, não pode haver lugar para a tristeza, quando acaba de nascer a vida; a mesma que acaba com o temor da mortalidade, e nos infunde a alegria da imortalidade prometida…

      Ninguém deve sentir-se afastado da participação em semelhante gozo; é património comum, um motivo de júbilo!

      A presença do Menino Deus é o amor no meio dos homens; o amor de que andam tão necessitados todos: desde os governantes aos governados e, sobretudo, aqueles que pretendem convencer-se de que estão satisfeitos de tudo…

      Ao contemplá-lo no Presépio meditemos e, sobretudo, agradeçamos este grande mistério; agradeçamos a Deus o seu desejo de abaixar-se até nós para fazer-se entender e amar, e para que nós nos decidamos a fazer-nos também “como meninos, para podermos assim entrar um dia no reino dos céus”…

      Da “cátedra” de Belém, o Menino do Presépio, ensina-nos e aponta-nos o caminho da humildade e simplicidade, para que sejamos capazes de reconhecer e acolher Jesus Cristo nas nossas vidas!

      O sentido teológico da vinda de Cristo não destrói por si só a moldura festiva e a poesia do Natal, mas a redimensiona e a coloca em seu justo contexto: Jesus que nasce é a” Palavra de Deus que se faz carne” (cf. Missal Dominical, pág. 80).

      No dia 25 de Dezembro celebramos o Natal percebendo-o como um tempo de aprofundar, contemplar e assimilar o Mistério da Encarnação do Filho de Deus; como tempo de reconciliação, quando devemos afastar de nós o ódio, o rancor, o ressentimento e a inveja; tempo de recuperar os princípios da vida cristã, refletindo o verdadeiro significado do Natal, sempre muito evocado, mas pouco meditado; tempo de compreender que Deus armou a sua tenda entre nós; o céu desceu à terra. Por amor do Pai fomos contemplados com o maior presente: Jesus na Gruta de Belém!

      Natal é o tempo oportuno para chegar até aos irmãos e irmãs, amigos e amigas, para simplesmente lhes dizer, tendo Cristo no coração: Feliz Natal!...

                                                                                                                       Maria Helena H. Marques
                                                                                                                      Prof.ª do Ensino Secundário         

DIREITOS HUMANOS


O “Direito Primordial” do Ser Humano

      A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 10 de Dezembro de 1948, estabelece o ideal comum a atingir por todos os povos.

      O Artigo 1.º declara que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

      O Artigo 3.º diz “todo o indivíduo tem direito à vida”.

      No que se refere às crianças ouve-se falar muitas vezes dos seus direitos à saúde, à família, à educação, à liberdade, ao espaço, à alegria, mas esquece-se com frequência o seu direito primordial, o que está subjacente a todos os outros: o direito à vida já desde o seio materno. Há quem pense que o direito da criança à vida se deve traduzir exclusivamente pela luta contra a mortalidade infantil. Mas não é assim; a criança necessita especial salvaguarda e cuidados, e inclusive protecção local, tanto antes como depois do nascimento. O direito universal à vida, ao considerá-la nas suas diversas etapas, vinca a importância da instituição familiar em cada uma das fases do arco evolutivo do ser humano. Assim sendo, ao falar dos direitos da criança convém não perder de vista a sua conexão com os direitos – deveres dos pais e sublinhar os direitos da família.

      Porquê o aborto?!

      J. Lejeune, prestigiado investigador de genética, afirma que hoje em dia, na mente do povo, deficientemente informado, um aborto é, no fundo, muito diferente de um infanticídio. Mas na realidade, desde o óvulo fecundado até à criança que vem ao mundo, passando por todas as etapas do desenvolvimento embrionário, estamos perante um ser humano com vida humana constituída. Por conseguinte, é uma vida humana que se destrói no aborto. A ciência biológica confirma-o claramente. O resultado da conceção, único e irrepetível, está dotado de uma dignidade humana que lhe é própria. Trata-se de um ser humano plenamente individualizado.

      Costumam invocar-se a favor do aborto motivações como estas:” o objectivo do aborto é, nalguns casos, evitar o crescimento demográfico, eliminar seres condenados à deformação, à desonra social, à miséria, etc. Mas não é assim. A supressão de uma vida ainda não nascida ou que já tenha vindo à luz, viola o princípio sacrossanto a que sempre se deve referir a visão da existência humana: a vida é sagrada desde o primeiro momento da sua conceção”.

      Outra desculpa dos defensores do aborto é a de que, legalizando-o se evitam os horrores e erros do aborto clandestino. As estatísticas dos países em que o aborto está legalizado mostram que, além de não diminuirem os abortos clandestinos, há como que uma corrida ao aborto legal. Um morticínio, como infelizmente se tem constatado! …                                                                                            Temos todos muito presente a catequese do  saudoso Papa, João Paulo II sobre este tema, muito clara e profunda: “Se se destrói o direito do homem à vida no momento em que começa a ser concebido no seio materno, ataca-se indirectamente toda a ordem moral que serve para assegurar todos os bens invioláveis do homem... A Igreja defende o direito à vida não só em consideração  pela Majestade do Criador, que é  o primeiro Doador da vida, como também por respeito pelo bem essencial do homem”.(Homilia em Nowy Targ, 8-VI-79). “Não hesito em proclamar perante vós e perante todo o mundo que cada vida humana – desde o momento da sua conceção e durante todas as fases seguintes – é sagrada, porque a vida humana foi criada à imagem e semelhança de Deus. Nada supera a dignidade e a grandeza da pessoa humana. A vida humana não é somente uma ideia ou uma abstracção. A vida humana é a realidade concreta de um ser que vive, actua, cresce e se desenvolve; a vida humana é a realidade concreta de um ser capaz de amor e serviço à humanidade”. (Homilia na Capital Mall, 7-X-79).

      Em Fevereiro de 1973, a maior parte dos médicos franceses subscreveu uma declaração solene que dizia: “Da fecundação à senetude, é o mesmo ser vivo que cresce, amadurece e morre. As suas qualidades tornam-no único e, portanto, insubstituível. A medicina, assim como está ao serviço da vida que termina, protege a vida desde o seu começo. O respeito absoluto devido ao paciente não depende da sua idade nem da doença ou achaque de que sofrer”.
      Em 28 de Dezembro de 1978, afirmava solenemente o Santo Padre, João Paulo II: “uma sociedade para ser à medida do homem, não pode pôr senão no seu fundamento o respeito e a defesa do pressuposto primordial sobre qualquer outro direito humano: o direito à vida”.

Maria Helena H. Marques
Prof.ª Ensino Secundário  

Sintetizando: "FÉ e CULTURA - II


O Papa Bento XVI numa alocução dirigida aos Bispos brasileiros que se encontravam no Vaticano, referiu-se à importância da cultura, ressaltando “que o pensamento se dirige para dois lugares clássicos onde a mesma se forma e comunica – a universidade e a escola – fixando a atenção, principalmente, nas comunidades académicas que nasceram à sombra do humanismo cristão e nele se inspiraram, honrando-se da designação de `católicas` “.

      A escola, assinalou o Papa, é chamada a promover a unidade entre fé, cultura e vida, que constitui a finalidade fundamental da educação cristã “. Um objetivo que o Papa considera que deve ser concretizado através de uma “convicta sinergia com as famílias e com a comunidade eclesial”.

      Num outro momento em que Bento XVI se dirigia aos membros da Fundação Sagrada Família de Nazaré, reiterou que a fé é amiga da razão e convidou os cristãos a tecerem um diálogo profundo com a cultura.

      Salientou também que a verdade e o amor “são inseparáveis “, o que determina que nenhuma cultura pode estar contente consigo mesma enquanto não descobrir que deve estar atenta às necessidades reais profundas do homem e de todo o homem”.

      Bento XVI afirmou ainda que “os conteúdos da revelação de Jesus são concretos e um intelectual cristão deve estar sempre pronto a comunicá-los quando dialoga com aqueles que estão em busca de soluções capazes de melhorar a existência e de responder à inquietação que atinge todo o coração humano.

      Um intelectual cristão “deve cultivar sempre em si a admiração por essa verdade de fundo”, que facilitando “a adesão ao espírito de Deus” nos impele, ao mesmo tempo, a “servir os irmãos com pronta disponibilidade”.

      Cultura, fé, comunicação são três realidades entre as quais se estabelece uma relação de que depende o futuro da nossa civilização, chamada a expressar-se sempre mais completamente na sua dimensão planetária.

      A cultura é, em síntese, um modo específico do existir e do ser do homem. E o homem é o sujeito e o artífice da cultura, nela se expressa e nela encontra o seu equilíbrio.

      A fé é o encontro entre Deus e o homem. É um dom de Deus ao qual deve corresponder a decisão do homem…

      A cultura, como dimensão racional e social da existência humana, iluminada pela fé, exprime também a plena comunicação do homem com Deus e, em contacto com as verdades reveladas por Deus, encontra mais facilmente o fundamento das verdades humanas que promovem o bem comum.

      Assim, a síntese entre cultura e fé não é apenas uma exigência da cultura, mas também da fé.
      Uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida, não inteiramente pensada, não fielmente vivida.
Maria Helena H. Marques
Prof.ª Ensino Secundário - AP
 

Sintetizando: "FÉ e CULTURA" - I


      Encontramo-nos na reta final do Ano da Fé que, como sabemos, termina em 24 de Novembro de 2013, Festividade de Cristo-Rei!

1.ª Parte

      A cultura actual é, como não poderia deixar de ser, a cultura do homem de hoje, com os seus extraordinários avanços tecnológicos, as suas facilidades de comunicação, mas também com os seus problemas. Vivemos numa sociedade pluralista cuja visão muitas vezes nos confunde, surgindo assim as inevitáveis interrogações: Como poderemos conciliar a nossa identidade e, ao mesmo tempo, construir o nosso futuro, sem abdicar da fé e da razão? Como ser cristão no século XXI?

      Precisamos de nos convencer de que o pluralismo cultural não constitui um problema para os cristãos, mas sim uma realidade com a qual contamos, como cidadãos correntes que somos. Os últimos Papas, João Paulo II e Bento XVI e, mais recentemente, o Papa Francisco, têm-nos incentivado repetidamente a levar a cabo a Nova Evangelização, também da cultura.

      Não temos razões para ter medo.

      Na Carta Apostólica Novo milénio ineunte o Papa João Paulo II, afirma que a condição de um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, como se previu e já se constata na sociedade do novo milénio, pode converter-se em uma importante oportunidade de estabelecer a paz. Considera que “a priori”, “a globalização não é positiva nem negativa. Ela será aquilo que dela se fizer. Nenhum sistema é um fim em si mesmo, e é necessário insistir sobre o facto de que a globalização, assim como qualquer outro sistema, deve estar ao serviço da pessoa humana, da solidariedade e do bem comum.” (Discurso do Papa de 27-IV-01).

      O Papa na Carta apostólica Novo milénio ineunte, n.º 50, considera ainda que o verdadeiro problema é o individualismo egoísta, pelo que convida a inverter essa tendência. Convida a uma nova “fantasia da caridade” que se manifeste não apenas na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre. Neste sentido, o que pode e deve fomentar-se no mundo actual – com a ajuda da ciência, da tecnologia, das artes e das facilidades de comunicação – é a globalização da caridade. E não haverá solidariedade global sem solidariedade pessoal.

      No entanto, temos de reconhecer que de modo geral, a sociedade actual se caracteriza pela preocupação da imagem, pela aparência, e a verdade é considerada como coisa secundária ou mesmo inconveniente, antiquada. Aceita-se a realidade com um encolher de ombros…

      Mas não temos a menor dúvida de que sem a verdade, não podemos viver a coerência de vida.

      Assim sendo, que fazer? Que fazer para cultivar a verdade e ser coerentes com ela?!

      Qualquer intelectual cristão, coerente e responsável, sente-se comprometido com a procura e a transmissão da verdade, pelo que não deseja conviver com a mentira, nem com a frivolidade.

      Por conseguinte é, por tudo isso, que os cristãos são incómodos para o mundo dos interesses, onde só contam o poder, o dinheiro e os símbolos de riqueza.

      Mas neste nosso mundo são também muitos – no fundo, de uma maneira ou de outra, todos – os que “têm saudades” da verdade, dessa verdade cristalina, límpida, magnífica! E, por outro lado, quem é que não deseja a companhia de um amigo sincero, que diz a verdade e não engana nem é egoísta, que ajuda e, se for necessário, corrige? “Dizer a verdade com caridade”, é o lema cristão que pode saciar a sede deste nosso mundo…

      Porque é evidente que a sociedade actual, embora aparentemente, se manifeste afastada de ideais, na realidade, os homens e as mulheres de hoje, têm fome de Deus. Isto mesmo o têm reconhecido os sucessivos Papas, ao afirmarem que estamos próximos de iniciar “uma nova Primavera Cristã”. Porque “Jesus Cristo é, como sempre, a novidade permanente para onde marcamos as nossas metas, também as do século XXI, que se resumem em encher de sentido cristão a vida de cada dia”.

Maria Helena H. Marques
Prof.ª  Ensino Secundário - AP

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Promover um Verdadeiro Feminismo...

       Celebramos vinte e cinco anos da Carta apostólica do Papa João Paulo II, “Mulieris Dignitatem (1988-2013). Nesta histórica exortação, João Paulo II defende um feminismo cristão que não é de ontem nem de hoje. Remonta ao tempo da Criação: “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus: criou-os homem e mulher” (Gén. 1,27).
      Deste modo, possuem igual dignidade. Rege-nos uma lei universal, gravada no coração humano, a lei natural; um desafio a toda a lei positiva que não pode desconhecer, nem contradizer, essa lei fundamental impressa no mais íntimo de cada ser humano: homem e mulher.
      Foram criados em perfeita igualdade enquanto pessoas no seu respetivo ser de homem e de mulher (Cat. da Igr. Católica). A mulher possui, com o mesmo título que o homem e no mesmo grau, a natureza de ser racional e livre. Foi a um e a outro que Deus atribuiu a missão de submeter a terra (Gén.1,28) e de trabalhar (Gén. 2,15).
      Abstraindo-nos do relato da criação, vemo-nos na impossibilidade de penetrar o profundo sentido da personalidade da mulher, do que é a sua feminilidade e do papel insubstituível que é chamada a desempenhar na vida da humanidade.
      A vocação da mulher não é uma vocação para a dependência mas para a alteridade, a complementaridade, na igualdade da natureza. A pessoa-homem e a pessoa-mulher, não podem realizar-se senão por um dom desinteressado de si porque, ser pessoa, significa tender à própria realização, explica João Paulo II.
      Uma sadia exaltação do papel da mulher leva a reconhecer que ela é chamada a levar à família, à sociedade civil, à Igreja, alguma coisa de caraterístico, que lhe é próprio e que só ela pode dar: a sua delicada ternura, generosidade incansável, o seu amor ao concreto, agudeza de engenho, capacidade de intuição, piedade profunda e simples, a sua tenacidade... A feminilidade não é autêntica se não reconhece a formosura dessa contribuição insubstituível e não a incorpora na própria vida…
      O desafio que se espera do verdadeiro feminismo é fazer a mulher verdadeiramente feliz, colocando-a no lugar que por direito lhe pertence: Mulher, Esposa e Mãe!
      O Papa referiu que há lugares e culturas nos quais a mulher é discriminada e menosprezada só pelo facto de ser mulher, fazendo dela objecto de maus-tratos ou de abusos na publicidade e na indústria do consumo e da diversão.
       Neste contexto, o Papa reivindicou o direito dos filhos “poderem contar com um pai e uma mãe para que cuidem deles e os acompanhem no seu crescimento. O Estado, pela sua parte, deve apoiar com políticas sociais adequadas, tudo o que promove a estabilidade e a unidade do matrimónio, a dignidade e a responsabilidade dos cônjuges, no seu direito e tarefa insubstituível de educadores dos filhos”. Por fim, exigir que se permita à mulher colaborar na construção da sociedade, valorizando o seu típico “génio feminino”.
      Por outro lado, reconheceu a necessidade de prevenir-nos contra o poder destruidor da ideologia do género, uma “revolução cultural em todos os âmbitos”, mais insidiosa e destruidora do que se possa pensar... o que determina que “Mulieris dignitatem” seja mais atual do que nunca porque, nesta carta, João Paulo II expressa “a verdade do homem, que é homem e mulher, e indica os seus princípios antropológicos”.
      Recordou que na ideologia do género, a sexualidade não se aceita “propriamente como constitutiva do homem” – mas “o ser humano seria o resultado do desejo de escolha”, de maneira que, “seja qual for o seu sexo físico” a pessoa -seja mulher ou homem –“poderia escolher o seu género” e modificar a sua opção, (antinatural!) quando quiser: homossexualidade, heterossexualidade, e outras coisas igualmente aberrantes…
      Nesta pseudo revolução cultural, a sociedade perde-se e a pessoa reduz-se a indivíduo, ao mesmo tempo que se questiona a família e a sua verdade – o matrimónio entre um homem e uma mulher aberto à vida...    
      Considerou ser urgente a promoção de um “Novo Feminismo” que reconheça o “génio feminino” e trabalhe pela superação da discriminação, já que todos os dias se assiste a uma rápida e profunda transformação dos modelos da identidade feminina e masculina, e da relação entre sexos.
       Recordamos também que João Paulo II convidou os leigos “a tornarem-se promotores de um novo feminismo” que supõe reconhecer e expressar o verdadeiro génio feminino em todas as manifestações da convivência civil, trabalhando pela superação de toda a forma de exploração, reconhecendo que ser mulher é uma autêntica, sublime e insubstituível missão!
Maria Helena Marques
Prof.ª Ensino Secundário

6ª Meta (Cont.) - O FILHO DE DEUS FEZ-SE HOMEM (PARÁGRAFO 1)

ARTIGO 3 «JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO E NASCEU DA VIRGEM MARIA»
 
I. Porque é que o Verbo encarnou?
Com o Credo Niceno-Constantinopolitano, respondemos confessando: «Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus; e encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e Se fez homem». O Verbo fez-Se carne para nos salvar, reconciliando-nos com Deus.
Enferma, a nossa natureza precisava de ser curada; decaída, precisava de ser elevada; morta, precisava de ser ressuscitada. Tínhamos perdido a posse do bem; era preciso que nos fosse restituído. Encerrados nas trevas, precisávamos de quem nos trouxesse a luz; cativos, esperávamos um salvador: prisioneiros, esperávamos um auxílio; escravos, precisávamos dum libertador. Seriam razões sem importância? Não seriam suficientes para comover a Deus, a ponto de O fazer descer até à nossa natureza humana para a visitar, já que a humanidade se encontrava em estado tão miserável e infeliz? São Gregório de Nissa
O Verbo fez-Se carne, para que assim conhecêssemos o amor de Deus. O Verbo fez-Se carne, para ser o nosso modelo de santidade: «Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim [...]» (Mt 11, 29). «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim» (Jo 14, 6). E o Pai, na montanha da Transfiguração, ordena: «Escutai-o» (Mc 9, 7) (81). De facto, Ele é o modelo das bem-aventuranças e a norma da Lei nova: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12). Este amor implica a oferta efetiva de nós mesmos, no seu seguimento. O Verbo fez-Se carne, para nos tornar «participantes da natureza divina» (2 Pe 1, 4): «Pois foi por essa razão que o Verbo Se fez homem, e o Filho de Deus Se fez Filho do Homem: foi para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a adoção divina, se tornasse filho de Deus».
II. A Encarnação
Retomando a expressão de São João («o Verbo fez-Se carne»: Jo 1, 14), a Igreja chama «Encarnação» ao facto de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana, para nela levar a efeito a nossa salvação. Num hino que nos foi conservado por São Paulo, a Igreja canta este mistério:
A fé na verdadeira Encarnação do Filho de Deus é o sinal distintivo da fé cristã: «Nisto haveis de reconhecer o Espírito de Deus: todo o espírito que confessa a Jesus Cristo encarnado é de Deus» (1 Jo 4, 2). É esta a alegre convicção da Igreja desde o seu princípio, ao cantar «o grande mistério da piedade»: «Ele manifestou-Se na carne» (1 Tm 3, 16).
III. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem
O acontecimento único e absolutamente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado de uma mistura confusa do divino com o humano. Ele fez-Se verdadeiro homem, permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Esta verdade da fé, teve a Igreja de a defender e clarificar no decurso dos primeiros séculos, perante heresias que a falsificavam.
As primeiras heresias negaram menos a divindade de Cristo que a sua verdadeira humanidade (docetismo gnóstico). Desde os tempos apostólicos que a fé cristã insistiu sobre a verdadeira Encarnação do Filho de Deus «vindo na carne». Mas, a partir do século III, a Igreja teve de afirmar, contra Paulo de Samossata, num concilio reunido em Antioquia, que Jesus Cristo é Filho de Deus por natureza e não por adoção. O primeiro Concílio ecuménico de Niceia, em 325, confessou no seu Credo que o Filho de Deus é «gerado, não criado, consubstancial ('homoúsios') ao Pai»; e condenou Ario, o qual afirmava que «o Filho de Deus saiu do nada» e devia ser «duma substância diferente da do Pai». A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Perante esta heresia, São Cirilo de Alexandria e o terceiro Concilio ecuménico, reunido em Éfeso em 431,confessaram que «o Verbo, unindo na sua pessoa uma carne animada por uma alma racional, Se fez homem». A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde que foi concebida. Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, cm 431, que Maria se tornou, com toda a verdade. Mãe de Deus, por ter concebido humanamente o Filho de Deus em seu seio: «Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus dela tenha recebido a natureza divina, mas porque dela recebeu o corpo sagrado, dotado duma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne».
Os monofisitas afirmavam que a natureza humana tinha deixado de existir, como tal, em Cristo, sendo assumida pela sua pessoa divina de Filho de Deus. Confrontando-se com esta heresia, o quarto Concílio ecuménico, em Calcedónia, no ano de 451, confessou:
Na sequência dos santos Padres, ensinamos unanimemente que se confesse um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, igualmente perfeito na divindade e perfeito na humanidade, sendo o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto duma alma racional e dum corpo, consubstancial ao Pai pela sua divindade, consubstancial a nós pela sua humanidade, «semelhante a nós em tudo, menos no pecado» (93): gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nestes últimos dias, por nós e pela nossa salvação, nascido da Virgem Mãe de Deus segundo a humanidade. Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é abolida pela sua união; antes, as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas numa só pessoa e numa só hipóstase Concílio de Calcedónia
Depois do Concílio de Calcedónia, alguns fizeram da natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Contra eles, o quinto Concílio ecuménico, reunido em Constantinopla em 553, confessou a propósito de Cristo: «não há n'Ele senão uma só hipóstase (ou pessoa), que é nosso Senhor Jesus Cristo, um da santa Trindade». Tudo na humanidade de Cristo deve, portanto, ser atribuído à sua pessoa divina como seu sujeito próprio; não só os milagres, mas também os sofrimentos e a própria morte: «Aquele que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e um da Santíssima Trindade».
Assim, a Igreja confessa que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É verdadeiramente o Filho de Deus feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor.
IV. Como é que o Filho de Deus é homem
Uma vez que, na união misteriosa da Encarnação, «a natureza humana foi assumida, não absorvida», a Igreja, no decorrer dos séculos, foi levada a confessar a plena realidade da alma humana, com as suas operações de inteligência e vontade, e do corpo humano de Cristo. Mas, paralelamente, a mesma Igreja teve de lembrar repetidamente que a natureza humana de Cristo pertence, como própria, à pessoa divina do Filho de Deus que a assumiu. Tudo o que Ele fez e faz nela, depende de «um da Trindade». Portanto, o Filho de Deus comunica à sua humanidade o seu próprio modo de existir pessoal na Santíssima Trindade. E assim, tanto na sua alma como no seu corpo, Cristo exprime humanamente os costumes divinos da Trindade:
«O Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado» II Concílio do Vaticano
A ALMA E O CONHECIMENTO HUMANO DE CRISTO
Apolinário de Laodiceia afirmava que, em Cristo, o Verbo tinha ocupado o lugar da alma ou do espírito. Contra este erro, a Igreja confessou que o Filho eterno assumiu também uma alma racional humana. Esta alma humana, que o Filho de Deus assumiu, é dotada de um verdadeiro conhecimento humano. Como tal, este não podia ser por si mesmo ilimitado. Exercia-se nas condições históricas da sua existência no espaço e no tempo. Foi por isso que o Filho de Deus, fazendo-Se homem, pôde aceitar «crescer em sabedoria, estatura e graça» (Lc 2, 52) e também teve de Se informar sobre o que, na condição humana, deve aprender-se de modo experimental. Isso correspondia à realidade do seu abatimento voluntário na condição de servo. Mas, ao mesmo tempo, este conhecimento verdadeiramente humano do Filho de Deus exprimia a vida divina da sua pessoa. É o caso, em primeiro lugar, do conhecimento íntimo e imediato que o Filho de Deus feito homem tem do seu Pai. O Filho também mostrava, no seu conhecimento humano, a clarividência divina que tinha dos pensamentos secretos do coração dos homens. Pela sua união com a Sabedoria divina na pessoa do Verbo Encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava, em plenitude, da ciência dos desígnios eternos que tinha vindo revelar. O que neste domínio Ele reconhece ignorar declara, noutro ponto, não ter a missão de o revelar.
A VONTADE HUMANA DE CRISTO
De igual modo, a Igreja confessou, no sexto Concilio ecuménico, que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não opostas mas cooperantes, de maneira que o Verbo feito carne quis humanamente, em obediência ao Pai, tudo quanto decidiu divinamente com o Pai e o Espírito Santo para a nossa salvação. A vontade humana de Cristo «segue a sua vontade divina, sem fazer resistência nem oposição em relação a ela, antes estando subordinada a essa vontade omnipotente».
O VERDADEIRO CORPO DE CRISTO
Uma vez que o Verbo Se fez carne, assumindo uma verdadeira natureza humana, o corpo de Cristo era circunscrito. Portanto, o rosto humano de Jesus pode ser «pintado». No VII Concílio ecuménico, a Igreja reconheceu como legítimo que ele fosse representado em santas imagens. Ao mesmo tempo, a Igreja sempre reconheceu que, no corpo de Jesus, «Deus que, por sua natureza, era invisível, tornou-Se visível aos nossos olhos». Com efeito, as particularidades individuais do corpo de Cristo exprimem a pessoa divina do Filho de Deus. Este fez seus os traços do seu corpo humano, de tal modo que, pintados numa imagem sagrada, podem ser venerados porque o crente que venera a sua imagem, «venera nela a pessoa nela representada».
  O CORAÇÃO DO VERBO ENCARNADO
Jesus conheceu-nos e amou-nos, a todos e a cada um, durante a sua vida, a sua agonia e a sua paixão, entregando-Se por cada um de nós: «O Filho de Deus amou-me e entregou-Se por mim» (Gl 2, 20). Amou-nos a todos com um coração humano. Por esse motivo, o Sagrado Coração de Jesus, trespassado pelos nossos pecados e para nossa salvação, «praecipuus consideratur index et symbolus... illius amoris, quo divinus Redemptor aeternum Patrem hominesque universos continenter adamat é considerado sinal e símbolo por excelência... daquele amor com que o divino Redentor ama sem cessar o eterno Pai e todos os homens».
 
Ano da Fé

6ª Meta - CAPÍTULO SEGUNDO - CREIO EM JESUS CRISTO, FILHO ÚNICO DE DEUS

A BOA-NOVA: DEUS ENVIOU O SEU FILHO
Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adotivos (Gl 4, 4-5). Esta é a Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus. Nós cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, judeu nascido duma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes o Grande e do imperador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto crucificado em Jerusalém sob o procurador Pôncio Pilatos no reinado do imperador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que Ele saiu de Deus (Jo 13, 3), desceu do céu (Jo 3, 13; 6, 33) e veio na carne, porque o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade [...] Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos, graça sobre graça (Jo 1, 14, 16).
Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, nós cremos e confessamos a respeito de Jesus: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo (Mt 16, 16). Foi sobre o rochedo desta fé, confessada por Pedro, que Cristo edificou a sua Igreja.
«ANUNCIAR A INSONDÁVEL RIQUEZA DE CRISTO»
A transmissão da fé cristã é, antes de mais, o anúncio de Jesus Cristo, para levar à fé n'Ele. Desde o princípio, os primeiros discípulos arderam no desejo de anunciar Cristo e convidam os homens de todos os tempos a entrar na alegria da sua comunhão com Cristo.
NO CORAÇÃO DA CATEQUESE: CRISTO
No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa: Jesus de Nazaré, Filho único do Pai [...], que sofreu e morreu por nós e que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre [...]. Catequizar [...] é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus [...]. É procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados. O fim da catequese é pôr em comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai, no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade.
Aquele que é chamado a «ensinar Cristo» deve, portanto, antes de mais nada, procurar «esse lucro sobre-eminente que é o conhecimento de Jesus Cristo». Tem de «aceitar perder tudo [...] para ganhar Cristo e encontrar-se n'Ele» e «conhecê-Lo, a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformar-se com Ele na morte, na esperança de chegar a ressuscitar dos mortos» (Fl 3, 8-11). Deste conhecimento amoroso de Cristo brota o desejo de O anunciar, de «evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo. Mas, ao mesmo tempo, faz-se sentir a necessidade de conhecer sempre melhor esta fé. Com esse objetivo, seguindo a ordem do Símbolo da fé, primeiro serão apresentados os principais títulos de Jesus: Cristo, Filho de Deus, Senhor (Artigo 2). O Símbolo confessa, em seguida, os principais mistérios da vida de Cristo: da sua Encarnação (Artigo 3), da sua Páscoa (Artigos 4 e 5) e, por fim, da sua Glorificação (Artigos 6 e 7).
ARTIGO 2 - «E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO, NOSSO SENHOR»
I. Jesus
Em hebraico, Jesus quer dizer Deus salva. Quando da Anunciação, o anjo Gabriel dá-Lhe como nome próprio o nome de Jesus, o qual exprime, ao mesmo tempo, a sua identidade e a sua missão. Uma vez que «só Deus pode perdoar os pecados» (Mc 2, 7), será Ele quem, em Jesus, seu Filho eterno feito homem, «salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt 1, 21). Em Jesus, Deus recapitula, assim, toda a sua história de salvação em favor dos homens. Nesta história da salvação, Deus não Se contenta com libertar Israel «da casa da escravidão» (Dt 5, 6), fazendo-o sair do Egipto. Salvou-o também do seus pecados. Porque o pecado é sempre uma ofensa feita a Deus, só Ele é que pode absolvê-lo. É por isso que Israel, tomando cada vez mais consciência da universalidade do pecado, só poderá procurar a salvação na invocação do nome do Deus Redentor.
O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa do seu Filho feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. Ele é o único nome divino que traz a salvação e pode desde agora ser invocado por todos, pois a todos os homens Se uniu pela Encarnação, de tal modo que «não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Act 4, l2) (17). O nome de Deus salvador era invocado apenas uma vez por ano, pelo sumo sacerdote, para expiação dos pecados de Israel, depois de ter aspergido o propiciatório do «santo dos santos» com o sangue do sacrifício (o propiciatório era o lugar da presença de Deus). Quando São Paulo diz de Jesus que Deus O «ofereceu para, n'Ele, pelo seu sangue, se realizar a expiação» (Rm 3, 25), quer dizer que, na sua humanidade, «era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo» (2 Cor 5, 19).
A ressurreição de Jesus glorifica o nome de Deus salvador porque, a partir daí, é o nome de Jesus que manifesta em plenitude o poder supremo do nome que está acima de todos os nomes» (Fl 2, 9-10). Os espíritos maus temem o seu nome e é em seu nome que os discípulos de Jesus fazem milagres, porque tudo o que pedem ao Pai, em seu nome, Ele lho concede. O nome de Jesus está no centro da oração cristã. Todas as orações litúrgicas se concluem com a fórmula «per Dominum nostrum Jesum Christum – por nosso Senhor Jesus Cristo». A Ave-Maria culmina nas palavras «e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». A oração-do-coração dos Orientais, chamada «oração a Jesus», diz: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador». E muitos cristãos morrem, como Santa Joana d'Arc, tendo nos lábios apenas uma palavra: «Jesus».
II. Cristo
Cristo vem da tradução grega do termo hebraico «Messias», que quer dizer «ungido». Só se torna nome próprio de Jesus porque Ele cumpre perfeitamente a missão divina que tal nome significa. Com efeito, em Israel eram ungidos, em nome de Deus, aqueles que Lhe eram consagrados para uma missão d'Ele dimanada. Era o caso dos reis, dos sacerdotes e, em raros casos, dos profetas. Este devia ser, por excelência, o caso do Messias, que Deus enviaria para estabelecer definitivamente o seu Reino. O Messias devia ser ungido pelo Espírito do Senhor, ao mesmo tempo como rei e sacerdote mas também como profeta. Jesus realizou a expectativa messiânica de Israel na sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.
O anjo anunciou aos pastores o nascimento de Jesus como sendo o do Messias prometido a Israel: «nasceu-vos hoje, na cidade de David, um salvador que é Cristo, Senhor» (Lc 2, 11). Desde a origem, Ele é «Aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo» (Jo 10, 36), concebido como «santo» no seio virginal de Maria. José foi convidado por Deus a «levar para sua casa Maria, sua esposa», grávida d'«Aquele que nela foi gerado pelo poder do Espírito Santo» (Mt 1, 20), para que Jesus, «chamado Cristo», nascesse da esposa de José, na descendência messiânica de David (Mt 1, 16).
Numerosos judeus, e mesmo alguns pagãos que partilhavam da sua esperança, reconheceram em Jesus os traços fundamentais do messiânico «filho de David», prometido por Deus a Israel. Jesus aceitou o título de Messias a que tinha direito, mas não sem reservas, uma vez que esse título era compreendido, por numerosos dos seus contemporâneos, segundo um conceito demasiado humano, essencialmente político. Jesus aceitou a profissão de fé de Pedro, que O reconhecia como o Messias, anunciando a paixão próxima do Filho do Homem. Revelou o conteúdo autêntico da sua realeza messiânica, ao mesmo tempo na identidade transcendente do Filho do Homem «que desceu do céu» (Jo 3, 13) e na sua missão redentora como Servo sofredor: «O Filho do Homem [...] não veio para ser servido, veio para servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Mt 20, 28). Foi por isso que o verdadeiro sentido da sua realeza só se manifestou do cimo da cruz. E só depois da ressurreição, a sua realeza messiânica poderá ser proclamada por Pedro perante o Povo de Deus: «Saiba, com absoluta certeza, toda a casa de Israel, que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes» (Act 2, 36).
  III. Filho único de Deus
Filho de Deus, no Antigo Testamento, é um título dado aos anjos, ao povo eleito aos filhos de Israel e aos seus reis. Nestes casos, significa uma filiação adotiva, que estabelece entre Deus e a sua criatura relações de particular intimidade. Quando o Rei-Messias prometido é chamado «filho de Deus», isso não implica necessariamente, segundo o sentido literal de tais textos, que Ele seja mais que um simples ser humano. Os que assim designaram Jesus, enquanto Messias de Israel, talvez não tenham querido dizer mais. Mas não é este o caso de Pedro, quando confessa Jesus como «Cristo, o Filho de Deus vivo», porque Jesus responde-lhe solenemente: «não foram a carne nem o sangue que to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus» (Mt 16, 17). Se Pedro pôde reconhecer o carácter transcendente da filiação divina de Jesus-Messias, foi porque Este lha deixou perceber nitidamente. Diante do Sinédrio, à pergunta dos seus acusadores: «Então, tu és o Filho de Deus?» Jesus respondeu: «É como dizeis, sou» (Lc 22, 70). Já muito antes, Ele Se designara como «o Filho» que conhece o Pai, diferente dos «servos» que Deus anteriormente enviara ao seu povo, superior aos próprios anjos. Ele distinguiu a sua filiação da dos Seus discípulos, nunca dizendo «Pai nosso», a não ser para lhes ordenar: «vós, quando rezardes, dizei assim: Pai nosso» (Mt 6,9); e sublinhou esta distinção: «o meu Pai e vosso Pai» (Jo 20, 17).
Os evangelhos referem, em dois momentos solenes, no batismo e na transfiguração de Cristo, a voz do Pai, que O designa como seu «filho muito-amado». Jesus designa-Se a Si próprio como «o Filho único de Deus» (Jo 3, 16), afirmando por este título a sua preexistência eterna. E exige a fé «no nome do Filho único de Deus» (Jo 3, 18). Esta profissão de fé cristã aparece já na exclamação do centurião diante de Jesus crucificado: «Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus!» (Mc 15, 39); porque somente no Mistério Pascal o crente pode dar pleno significado ao título de «Filho de Deus». É depois da ressurreição que a filiação divina de Jesus aparece no poder da sua humanidade glorificada: «Segundo o Espírito santificante, pela sua ressurreição de entre os mortos, Ele foi estabelecido como Filho de Deus em poder» (Rm 1, 4) (62). E os Apóstolos poderão confessar: «Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como a Filho único, cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14).
IV. Senhor
Na tradução grega dos Livros do Antigo Testamento, o nome inefável sob o qual Deus Se revelou a Moisés, YHWH, é traduzido por « Kyrios» («Senhor»). Senhor torna-se, desde então, o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título de «Senhor», tanto para o Pai como também – e aí é que está a novidade – para Jesus, assim reconhecido como sendo Ele próprio Deus. O próprio Jesus veladamente atribui a Si mesmo este título, quando discute com os fariseus sobre o sentido do Salmo 110, e também, de modo explícito, ao dirigir-Se aos Apóstolos. Ao longo de toda a vida pública, os seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre os demónios, sobre a morte e o pecado, demonstravam a sua soberania divina.
Muitíssimas vezes, nos evangelhos, aparecem pessoas que se dirigem a Jesus chamando-lhe «Senhor». Este título exprime o respeito e a confiança dos que se aproximam de Jesus e d'Ele esperam socorro e cura. Pronunciado sob a moção do Espírito Santo, exprime o reconhecimento do Mistério divino de Jesus. No encontro com Jesus ressuscitado, transforma-se em adoração: «Meu Senhor e meu Deus» (Jo 20, 28). Assume então uma conotação de amor e afeição, que vai ficar como típica da tradição cristã: «E o Senhor!» (Jo 21, 7). Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o princípio, que o poder, a honra e a glória, devidos a Deus Pai, também são devidos a Jesus, porque Ele é «de condição divina» (Fl 2, 6) e o Pai manifestou esta soberania de Jesus ressuscitando-O de entre os mortos e exaltando-O na sua glória.
Desde o princípio da história cristã, a afirmação do senhorio de Jesus sobre o mundo e sobre a história significa também o reconhecimento de que o homem não deve submeter a sua liberdade pessoal, de modo absoluto, a nenhum poder terreno, mas somente a Deus Pai e ao Senhor Jesus Cristo: César não é o «Senhor». «A Igreja crê... que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra no seu Senhor e Mestre».
A oração cristã é marcada pelo título de «Senhor», quer no convite à oração: «O Senhor esteja convosco», quer na conclusão da mesma: «Por nosso Senhor Jesus Cristo», quer ainda pelo grito cheio de confiança e de esperança: «Maran atha» («O Senhor vem!») ou «Marana tha» («Vem, Senhor!») (1 Cor 16, 22): «Amen, vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20).

5ª Meta (Cont.) - A QUEDA II

III. O pecado original
A prova da liberdade
Deus criou o homem à sua imagem e constituiu-o na sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade na modalidade da livre submissão a Deus. É isso o que exprime a proibição feita ao homem de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. A árvore de conhecer o bem e o mal evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e confiadamente respeitar. O homem depende do Criador. Está sujeito às leis da criação e às normas morais que regulam o exercício da liberdade.
O primeiro pecado do homem
Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador. Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem. Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente divinizado por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis ser como Deus, mas sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deu).
A Escritura refere as consequências dramáticas desta primeira desobediência: Adão e Eva perdem imediatamente a graça da santidade original. A harmonia em que viviam, graças à justiça original, ficou destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo foi quebrado; a união do homem e da mulher ficou sujeita a tensões; as suas relações serão marcadas pela avidez e pelo domínio. A harmonia com a criação desfez-se: a criação visível tornou-se, para o homem, estranha e hostil. Por causa do homem, a criação ficou sujeita à servidão da corrupção. Enfim, vai concretizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso da desobediência: o homem voltará ao pó de que foi formado. A morte faz a sua entrada na história da humanidade.
Consequências do pecado de Adão para a humanidade
Todos os homens estão implicados no pecado de Adão. Depois de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens, e a sua inclinação para o mal e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o facto de ele nos ter transmitido um pecado de que todos nascemos infetados e que é morte da alma. A partir desta certeza de fé, a Igreja confere o Batismo para a remissão dos pecados, mesmo às crianças que não cometeram qualquer pecado pessoal.
Como é que o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes? Todo o género humano é, em Adão, “sicut unum corpus unius hominis – como um só corpo dum único homem”. Em virtude desta unidade do género humano, todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo. Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana; consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas este pecado afeta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído. É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama pecado por analogia: é um pecado contraído e não cometido; um estado, não um ato.
Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama concupiscência). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual.
A doutrina da Igreja sobre a transmissão do pecado original foi definida sobretudo no século V, particularmente sob o impulso da reflexão de Santo Agostinho contra o pelagianismo, e no século XVI, por oposição à Reforma protestante. Pelágio sustentava que o homem podia, pela força natural da sua vontade livre, sem a ajuda necessária da graça de Deus, levar uma vida moralmente boa; reduzia a influência do pecado de Adão à de um simples mau exemplo. Os primeiros reformadores protestantes, pelo contrário, ensinavam que o homem estava radicalmente pervertido e a sua liberdade anulada pelo pecado das origens: identificavam o pecado herdado por cada homem com a tendência para o mal (concupiscência), a qual seria invencível.
Um duro combate
A doutrina sobre o pecado original – ligada à da redenção por Cristo – proporciona uma visão de lúcido discernimento sobre a situação do homem e da sua ação neste mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu um certo domínio sobre o homem, embora este permanecesse livre. As consequências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens dão ao mundo, no seu conjunto, uma condição pecadora, que pode ser designada pela expressão de São João “o pecado do mundo”. Esta expressão significa também a influência negativa que as situações comunitárias e as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos homens, exercem sobre as pessoas.
IV. Vós não o abandonastes ao poder da morte
Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Pelo contrário, Deus chamou-o e anunciou-lhe, de modo misterioso, que venceria o mal e se levantaria da queda. Esta passagem do Génesis tem sido chamada “Proto-Evangelho” por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, do combate entre a Serpente e a Mulher, e da vitória final dum descendente desta. A Tradição cristã vê nesta passagem um anúncio do novo Adão que, pela sua obediência até à morte de cruz, repara superabundantemente a desobediência de Adão. Por outro lado, muitos santos Padres e Doutores da Igreja vêem na mulher, anunciada no “Proto-Evangelho”, a Mãe de Cristo, Maria, como nova Eva. Ela foi a primeira a beneficiar, dum modo único, da vitória sobre o pecado alcançada por Cristo: foi preservada de toda a mancha do pecado original e, durante toda a sua vida terrena, por uma graça especial de Deus, não cometeu qualquer espécie de pecado.