Estes princípios norteadores foram
inquestionáveis durante séculos em grande parte dos países ocidentais, até ao
aparecimento e intervenção do filósofo e ilustre pedagogo Jean – Jacques
Rousseau; escrevia o pensador francês: “quando penso num rapazinho de dez ou
doze anos, são, forte e bem constituído, apenas nascem na minha mente
pensamentos agradáveis. Imagino-o brilhante, vigoroso, despreocupado, absorto
no presente, feliz com a sua vitalidade. O único hábito que se lhe deveria
permitir adquirir era o de não contrair nenhum; prepará-lo para o reinado da
liberdade e exercício das suas possibilidades...”
Rousseau considerava a natureza do dito rapazinho
originariamente boa e livre de pecado. Segundo ele, a educação deveria
proporcionar terreno adequado onde florescer a sua inata boa natureza. Deste
modo, a moral não devia partir de conjuntos de regras externas nem ser socialmente
organizada, o que suporia uma afronta ao direito de desenvolver-se com total
liberdade. Uma motivação aos seus sentimentos de generosidade, seria suficiente
para avançar e flutuar conduzido pela sua amigável natureza; afirmava que uma
criança jamais poderá ser acusada de maldade, porque considerava que a má ação
depende da má intenção, e isso, “a criança nunca terá”.
Não temos dúvidas de que as ideias de Rousseau
contribuíram bastante para tornar a educação mais humana, numa época de
excessiva dureza e inflexibilidade, mas ele próprio ficaria atualmente
espantado diante da permissividade reinante nos tempos atuais, devida em grande
medida ao peso atribuído aos seus pontos de vista e que tanto influenciaram
algumas correntes da pedagogia.
Com os dados objetivos de que atualmente
dispomos, e fazendo uma sucinta análise comparativa aos legados de Rousseau e
Aristóteles avalizados pela experiência histórica, deixamo-nos levar pelo senso
comum que se inclina a favor de Aristóteles, embora seja Rousseau quem tem
dominado dum modo poderoso o pensamento de muitos teóricos da educação. O
progressismo que herdou o seu pensamento recusou frequentemente a importância
de questões simples e fundamentais como o esforço pessoal, a prática habitual de
atos meritórios ou a formação do caráter. O clima tradicional de ordem, com as
suas regras e exigências e a insistência nas classificações, foi depreciado
como ultrapassado e deprimente moralidade...
Sobrevalorizando a criatividade e a
bondade inata das crianças, foi-se desprezando a sábia e antiga
responsabilidade de submetê-las a disciplina, de habituá-las na prática do bem
e a movimentar-se com sentido de responsabilidade.
Foram muitos anos de desrespeito por
princípios e valores considerados fundamentais em todos os ciclos da história
da humanidade, apoiado na luta contra uma tradição sem sentido que se acusava
de excessiva e teorizante. Verificamos que a ultrapassagem de Aristóteles criou
muitos problemas bem visíveis nos tempos atuais, dos que destacamos níveis de
violência insuspeitados e um fracasso escolar jamais imaginado. Esta dura
realidade parece querer dizer-nos que levámos demasiado a sério aqueles que
pensavam que o esforço diário pela prática do bem e da virtude, esmagar-nos-ia
a todos e de modo especial às novas gerações.
Sem deixar de considerar como positiva a
evolução pedagógica que se alcançou com novas aquisições na perceção do eu,
afirmação das diferenças de personalidade e de caminhos, vamos de novo ter à
senda das referências essenciais que são, em qualquer circunstância, capazes de
conduzir o ser humano ao desenvolvimento harmonioso da sua personalidade e à
maturidade do seu ser. Mas reconhecemos também que isto não é recuperável
simplesmente através de leis, nem de montantes extraordinários no apoio à
educação. Talvez o seja sim, se voltarmos a tomar a sério o que temos vindo a
desdenhar e não nos poupemos ao esforço diário para retificar, pouco a pouco, o
rumo que com clareza meridiana reconhecemos agora, ser equivocado.
E assim, chegamos inevitavelmente, mais
uma vez, aos conceitos de autoridade, liberdade e responsabilidade na família,
educação através de auto – disciplina e do respeito pelos valores éticos
fundamentais inscritos desde sempre no coração da humanidade.
Tinha razão A. Gaisan em V. Humanos , quando
afirmava: “Tudo o que é humano pode ser teu e meu, o bom e o mau, a virtude e o
vício. Se outros sim… porque tu e eu não?...”
Maria Helena Marques
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