domingo, 25 de novembro de 2007

A crise de liderança moral conduz à decadência I



No âmago da crise moral que nos últimos anos tem afligido a humanidade, há uma enorme falta de liderança moral, em todos os segmentos da sociedade humana, conforme o que é tristemente indicado pelas evidências crescentes de negligência ética, reveladas entre autoridades dos níveis mais altos da sociedade, tanto em instituições públicas como privadas, por todo o mundo.

Vários indicadores apontam nessa direcção mas, o mais evidente, é o desrespeito pela vida humana.

É impressionante que o maior dom de que todos somos titulares – o dom da Vida – ande por aí tão mal tratado!

A vida é o espaço e o tempo que nos cabe percorrer, e que por isso deve ser sempre orientada por um ideal elevado, elevador, que lhe dê sentido. Viver com sentido, deixando o rasto de utilidade, de compreensão, de concórdia..., semeando paz e alegria.

Uma vida com sentido é a daquele que sabe de onde vem e para onde vai. Daquele que, perscrutando o mundo maravilhoso da sua interioridade, descobre uma imensa riqueza potencial, em gérmen, à espera de ser desenvolvida.

Desenvolver essa interioridade é projectar uma imagem que causa admiração pelo vigor sereno com que actua.

§ pelo equilíbrio das suas manifestações, da suave firmeza das suas decisões;
§ pela sua cordial mas poderosa força de vontade,
§ pela sua paz e serenidade interiores que transbordam;
§ pelo seu saber-estar em toda a parte;
§ pelo seu poder prescindir, sem se alterar, do supérfluo e até do necessário, sem qualquer queixa;
§ pelo seu bom ânimo nas adversidades
§ e pela sua simplicidade quando a fortuna lhe sorri.

Viver assim, é viver a vida em profundidade, é viver de acordo com a marca da profunda sabedoria de viver.

Sabedoria de viver, imensamente enriquecida pela revelação cristã, que trouxe, além de profundos conhecimentos sobre o ser humano, um novo modelo de Homem – Jesus Cristo – (Homem e Deus), e as forças necessárias para viver de acordo com o modelo proposto. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”...

Viver desta Vida, percorrendo esse Caminho, assimilando essa Verdade, é conquistar as virtudes que vão estendendo a ordem da razão e o domínio da vontade a todo o âmbito do agir. Concentram as forças do homem, que se torna capaz de orientar a sua actividade nas direcções que ele mesmo se propõe.

A própria palavra virtude, que é de origem latina, está relacionada com a palavra “homem” (vir)e a palavra “força” (vis). A grande força do homem são as suas virtudes, embora a sua constituição física possa ser fraca.

Só alguém treinado no exercício do bem pode guiar a sua vida de acordo com os seus princípios, sem ceder a cada passo, diante da mais pequena dificuldade ou de solicitações contrárias.

Pelo contrário, os pequenos vícios da conduta – o acostumar-se a não fazer as coisas quando e como devem ser feitas – enfraquecem o carácter e tornam o homem incapaz de viver de acordo com o seu fim último e de acordo com os seus ideais.

São pequenas escravidões que acabam por produzir uma personalidade medíocre a resvalar por um plano inclinado que pode conduzir ao abismo.

Desviar-se do Norte, da rota segura e certa, é andar à deriva, sujeito a todos os ventos e marés, à tempestade e, muitas vezes, à morte...

Maria Helena Henriques Marques
(Professora do Ensino Secundário)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A FIDELIDADE



" Quem for fiel até à morte receberá a coroa da Vida "


A fidelidade consiste em cumprir o que se prometeu, conformando assim as palavras com os actos. Somos fiéis se guardamos a palavra dada, se mantemos firmemente os compromissos adquiridos, apesar dos obstáculos.
O âmbito da fidelidade é muito vasto:
  • com Deus
  • entre marido e mulher
  • entre amigos
... é uma virtude essencial: sem ela é impossível a convivência. Relaciona-se estreitamente com o amor, com a fé e com a vocação.
" Faz-me tremer, conhecendo a minha pequenez; leva-me a exigir de mim fidelidade ao Senhor, até nos factos que podem parecer indiferentes, porque, se não me servem para unir-me mais a Ele, não os quero!" (S. Josémaria, Sulco, n.º 343).

Para que nos servem, se não nos levam a Cristo?
"Anda na minha presença e sê fiel". "Guarda o pacto, contigo", diz-nos Deus, "continuamente no íntimo do nosso coração".
A nossa época não se caracteriza pelo florescimento da virtude da fidelidade. Talvez por isso o Senhor nos peça que saibamos apreciá-la mais, tanto nos nossos compromissos de entrega livremente adquiridos com Deus; como na vida humana, nos relacionamentos com os outros.

Muitos se perguntam: como pode o homem, que é mutável, fraco e instável, comprometer-se por toda a vida? Pode! Porque a sua fidelidade é sustentada por Aquele que não é mutável, nem fraco, nem instável; por Deus.

" Cristo" – diz João Paulo II – "necessita de vós e vos chama para ajudardes milhões de irmãos vossos a serem plenamente homens e a salvar-se. Abri os vossos corações a Cristo, à sua lei de amor, sem condicionar a disponibilidade, sem medo de respostas definitivas, porque o amor e a amizade não têm fim ", porque o amor não envelhece.

Quando amamos, é toda a nossa pessoa que se entrega a esse amor, para além dos gostos e dos estados de ânimo. " O pagamento, a diária do amor é receber mais amor.

No amor o principal não é o sentimento, mas a vontade e as obras; e que o amor exige esforço, sacrifício e entrega.
O sentimento não oferece base segura para construir algo tão fundamental como a fidelidade. Esta virtude bebe a sua firmeza no amor verdadeiro. Por isso quando o amor – humano ou divino – já passou pelo período de maior sentimento, o que resta não é o menos importante, mas o essencial, é o que dá sentido a tudo.

Todos podemos fazer o que está ao nosso alcance para assegurar a fidelidade. A perseverança até ao final da vida torna-se possível com a fidelidade nas pequenas situações de cada dia e com o recomeçar sempre que tenha havido algum passo em falso por fraqueza.

Um homem ou mulher de oração sabe sempre sair das ciladas que lhe armam as suas tendências desordenadas, os seus desânimos ou as misérias próprias ou alheias. No colóquio silencioso com Deus em que a alma se desnuda, esse homem ou mulher fortalece ou recupera o critério claro e as energias para resistir.
O amor " é o peso que me arrasta ", o centro de gravidade, o norte da nossa alma na tarefa da fidelidade. Por isso o amor a Deus, que não permite muros nem divisões entre o homem e o seu Deus, leva à sinceridade, suporte seguro da fidelidade.

As virtudes da fidelidade e da lealdade devem informar todas as manifestações da vida do cristão:
  • relacionamento com Deus,
  • com a Igreja
  • com o próximo
  • notrabalho
  • nos deveres de estado...

Só se vive a fidelidade, em todas as suas formas, quando se é fiel à vocação recebida de Deus, na medida em que nela estão integrados todos os demais valores em que devemos lealdade e fidelidade. Se faltasse a fidelidade a Deus tudo se quebraria em mil pedaços e a vida se transformaria em cascalho.

" O Coração de Jesus, o Coração humano de Deus-Homem, está abrasado pela chama viva do Amor trinitário, que jamais se extingue " e é fiel no seu amor pelos homens.

Nós devemos aprender desse amor fiel.

Viseu, 18 de Julho de 2007
Maria José Bastos

A construção da disciplina interactiva na Escola



A sociedade tem vindo a transformar-se rapidamente nas últimas décadas, o que justifica que os modelos educativos ocidentais também tenham mudado.
Especialmente a partir de Maio de 68, passámos a assistir à imposição de uma concepção utópica e idealista, que considerava importantes as possibilidades dos alunos e desvalorizava os conflitos educativos.

Os métodos da educação tradicional passaram a ser substituídos por uma obsessiva democratização da escola a par de alterações funestas da pedagogia. Deste modo, na maior parte dos países que se deixaram arrastar por esta tendência, verificamos que o fracasso escolar e a deterioração do ambiente educativo estão na ordem do dia.

A família e a escola mudaram muito. Antes a família era cúmplice da escola. Actualmente, de um modo geral, muitos pais delegam na escola as suas próprias responsabilidades, demitindo-se completamente da sua autoridade e da missão de primordiais educadores dos seus filhos. Por um lado, os pais não se atrevem a educar os seus filhos e, por outro, a sociedade fomenta, especialmente, através dos meios de comunicação social, um amor-próprio descabido que deriva em cómoda autocompaixão e desleixo.
À Escola pede-se ou exige-se resultados!...

Mas a vida, a experiência têm-nos demonstrado as vantagens pedagógicas de uma educação baseada na segurança, na clareza, na autoridade e na disciplina. Sempre que na vida prática se reconhecem estes valores, ficam a ganhar, de modo especial, os alunos, que acabam por ver como se expandem as suas possibilidades humanas, sociais e intelectuais.

No entanto, tem faltado coragem para admitir e reconhecer que a exigência pode fortalecer e
que a super-protecção pode debilitar...
São as próprias crianças e os jovens que, normalmente, aceitam e valorizam muito mais do que parece, esta pedagogia, que não é, de forma nenhuma, sinónimo de desumanização, bem pelo contrário...

Por outro lado, a insegurança dos protagonistas da educação – pais e professores – contagia os alunos, que não vêem convicções sólidas em quem deveria motivá-los e educá-los!

Assim, não podemos perder de vista que a escola tem actualmente uma responsabilidade acrescida e uma importância fundamental na socialização das crianças e adolescentes que procedem, sobretudo, de famílias com um único filho (e que, por isso, podem ser hiper-protegidos), ou de famílias desestruturadas, que não recebem nenhum tipo de educação familiar.
Por tudo isto, os professores são unânimes em reconhecer que a função docente não pode reduzir-se apenas a garantir a ordem e a organização.
Se não impera um clima de autoridade, de trabalho e de disciplina – compatível com o oportuno sentido do humor, a amizade e a alegria – a educação estará a desvalorizar um dos seus mais importantes recursos.

É imperioso resgatar os valores do passado e estar abertos aos novos valores emergentes, em função das necessidades provocadas pelas contradições sociais, políticas, económicas e culturais, num processo de continuidade-ruptura, numa perspectiva dialéctica, visando o ideal:
  • uma disciplina consciente e interactiva;
  • uma disciplina construtiva marcada pela participação, respeito, responsabilidade na edificação do conhecimento, formação do carácter e da cidadania.

Maria Helena Henriques Marques
Professora do Ensino Secundário

sábado, 3 de novembro de 2007

De menores maltratados a menores delinquentes



Na Europa a delinquência juvenil preocupa cada vez mais


Perante factos violentos, protagonizados por pessoas cada vez mais jovens, fiscalistas, juizes e políticos ponderam, por vezes, a conveniência de baixar o limite de idade para a responsabilidade penal dos menores. Causam alarme excessivo os casos de delitos graves em que predomina a violência e intimidação das pessoas. O carácter proteccionista que a legislação teve sempre sobre menores choca cada vez mais com essa inquietação geral que produzem os actos ilícitos cometidos por rapazes cada vez mais jovens ano após ano.


O problema costuma atribuir-se em grande parte a um fenómeno de anomia, pelo crescimento da permissividade entre os jovens, que não aceitam constrangimentos familiares nem sociais, com um elevado grau de indisciplina escolar.


Chegam a produzir-se casos limite em que os pais – sobretudo em famílias monoparentais – se vêem forçados a transferir o poder paternal para instituições públicas, perante a impossibilidade de evitar o comportamento violento e agressivo de seus filhos.


Isto choca com medidas proteccionistas que privariam os pais de recursos mais ou menos clássicos para impor a sua autoridade. O Defensor do Menor da Comunidade de Madrid, em colaboração com a ONG Save the Children, chegou a propor em 2005 uma modificação do Código Civil espanhol para proibir todo o castigo físico dos pais aos seus filhos dentro do próprio lar. O actual artigo 154 faculta-lhes uma razoável e moderada correcção. Mas já se têm lavrado sentenças contra pais excessivamente violentos.

A protecção dos menores está actualmente no centro da preocupação internacional, nos seus diversos aspectos. Não pode separar-se do incremento de manifestações violentas demasiado precoces.

O diário Le Monde publicou no passado 4 de Julho uma extensa reportagem sobre a justiça de menores na Europa, em que propõe, como denominador comum, a tendência para uma maior severidade. Porque alguns dados são arrepiantes, como a percentagem de menores dentro do conjunto da criminalidade: está entre 15% e 20% ou mais no Reino Unido, Alemanha e França; entre 10% e 15%, na Áustria, República Checa, Polónia, Dinamarca e Suécia. Apenas a Finlândia e a Noruega estão abaixo de 5%.

Não parece influir nesses números a idade da responsabilidade penal, que é igual ou inferior à idade mínima para uma possível privação da liberdade. Respectivamente, são 10 e 10 no Reino Unido; 14 e 14 na Alemanha; 10 e 13 em França. Os três países nórdicos coincidem em 15 e15.

Aumenta a delinquência juvenil em todos os países ocidentais, conforme afirma o investigador Sebastian Roché:

“Pode-se falar de um fenómeno global, uma vez que aparecem as mesmas causas em todos os países:


desestruturação familiar,
abandono escolar,
frustração económica.

Os estudos ligados ao consumo de imagens violentas nos países ocidentais mostram também convergência: uma socialização dos jovens através dessas imagens de violência.”


Ao contrário, o magistrado italiano Luigi Fadiga referia-se à excepção transalpina num colóquio celebrado em 2006: “Uma das explicações é o peso da família, que continua a ser muito forte e é o lugar onde se resolvem os problemas, enquanto que a falta de um apoio de referência familiar é uma das causas da delinquência”.

Logicamente, um governo que comprova o crescimento da criminalidade, não pode pelo menos, deixar de ser mais repressivo. É o caso de Blair ou Gordon Brawn na Grã-Bretanha, ou José Luis R. Zapatero em Espanha. Igualmente em França, onde o Senado Francês tem estado a desenvolver um projecto de lei sobre reincidência, tanto de adultos como de menores, de modo a pôr freio à reiteração de condutas delituosas menos graves mas muito frequentes.

Em muitos outros países repetem-se as iniciativas para diminuir progressivamente a idade da responsabilidade penal.

Aceprensa, 25-07-2007


Tradução e adaptação: Maria Helena Henriques Marques
Professora do Ensino Secundário


Prémio Nobel da Literatura

Doris Lessing, “dourado desencanto”...
A vencedora do prémio Nobel de Literatura 2007 abraçou causas ideológicas do século XX, com uma visão independente e desesperançada


Para a Academia Sueca, Doris Lessing mereceu o prémio Nobel da Literatura 2007 “pela sua épica narrativa da experiência feminina, que com cepticismo, paixão e poder visionário, submeteu a exame uma civilização despida”.

A notoriedade de Doris Lessing surgiu, especialmente, com a sua novela El cuaderno dorado, de 1962, que foi saudada como um manifesto pelo movimento feminista durante os anos sessenta e setenta.

A partir daí, como escreve Robert Barnard, “Lessing foi elevada pelo movimento feminista dos anos setenta à categoria de guru (processo que ela mesma recusou e que lhe produziu bastante desconforto), mas o excessivo finca -pé que se fez acerca disso lesionou seriamente a sua carreira” (Breve história da literatura inglesa).

Autora de uma prolífica obra literária, Lessing não conseguiu converter-se numa escritora popular. O seu prestígio foi bastante minoritário, mantido em algumas ocasiões não pelo impacto literário das suas novelas mas antes pelo peso ideológico que podiam transmitir. E apesar de ser autora de umas quantas boas novelas e de dois interessantes livros de memórias, não conseguiu que alguma das suas obras se convertesse numa obrigatória referência literária, se exceptuarmos El cuaderno dorado, louvado mais por questões extraliterárias.


A experiência do colonialismo



Doris May Tayler nasceu em 1919 em Kirmansah, na antiga Pérsia (actualmente Irão), onde o seu pai estava destacado como militar. Em 1924 mudaram-se para a Rodésia do Sul (hoje Zimbabue). Doris viveu numa granja no norte do país e conheceu muito de perto a realidade racista do colonialismo. Nas suas obras denunciou o trabalho de tantos colonos brancos que perpetuaram um sistema classista e injusto, que ela conhecia em primeira-mão uma vez que fez parte dele. As suas denúncias foram tão fortes que em 1956, quando já residia na Grã-Bretanha, foi declarada “persona non grata” pelo governo da Rodésia.

Teve uma infância e adolescência muito conflituosas, com frequentes confrontos com a sua mãe. Aos 15 anos abandonou o lar. Nas suas memórias escreveu: “Estava a lutar pela minha vida contra a minha mãe”. Define assim os seus anos infantis: “Fui uma menina terrivelmente danada, terrivelmente neurótica, com uma sensibilidade e uma capacidade de sofrimento exageradas”.

Aos 19 anos contraiu matrimónio com um funcionário da Rodésia, Frank Charles, de quem teve dois filhos. Quatro anos depois abandonou o seu marido e seus filhos e casou-se, em 1944, com Gottfried Lessing, um judeu alemão refugiado na Rodésia que liderava naqueles anos um grupo de comunistas de ideias muito radicais. Voltou a divorciar-se em 1949 e nesse ano decidiu mudar-se para Londres, onde se instalou com o filho que teve com Gottfried.


A vocação da literatura



A partir daí decide dedicar-se inteiramente à literatura (se bem que não tivesse escrito nada, era uma autodidacta e voraz leitora), actividade que compagina com a sua militância política no partido comunista. Em 1950 publica a sua primeira novela, Canta la hierba, que supõe a sua irrupção no panorama literário britânico com uma polémica denúncia da situação política que se vivia na Rodésia. A sua novela seguinte é Martha Quest, a primeira de uma série que intitulará Filhos da Violência, e que terminará em 1969.

Em 1956 – ano do alastramento da revolução na Hungria pela URRS abandonou o partido comunista e desde então foi muito crítica com o comunismo e com os apoios que recebera naqueles anos, especialmente de intelectuais. A sua ideologia reflectia um progressismo ético onde não há lugar para a transcendência. Lessing era uma mulher muito independente e não hesitava em questionar ideias em voga, como as que passaram a ser moda pela geração de 68. Em 1962 publicou o seu livro mais famoso, El cuaderno dorado, novela protagonizada pela escritora Anna Wulf que, como dissemos, foi apropriada pela causa feminista pela descrição realista das dificuldades sexuais, psicológicas e materiais de uma mulher do seu tempo.

São muitas as novelas que publicou:

O costume de amar (1983),
Diário de uma boa vizinha (1983),
Se a velhice pudesse (1984),
A boa terrorista (1985),
Palavras leva-as o vento (1987),
O quinto filho (1988),
Histórias de Londres (1992)...

Os seus dois livros de memórias gozaram de maior popularidade que as suas novelas. Em 1994 publicou Dentro de mim, que retratava os seus anos passados na Pérsia e, sobretudo, em África; e em 1997 veio à luz Um passeio pela sombra, que se inicia com a sua chegada à capital inglesa em 1949. Também publicou um conjunto de novelas de ficção científica: Canopus en Argos: arquivos (1987-1982). A sua última novela, The Cleft, foi traduzida pela editorial Lumen no ano seguinte.

Recebeu muitos prémios literários: em Espanha, o Prémio Catalunha em 1999 e em 2001 o Príncipe de Astúrias das Letras. Apesar de ser premiada e valorizada, não conseguiu chegar ao grande público.



Um pessimismo constante



De entre os muitos temas que aparecem nas suas obras, alguns podem ter sido mais decisivos para a obtenção do Prémio Nobel: a discriminação racial em África, a pobreza, as desigualdades sociais, a política, os direitos da mulher, os conflitos pessoais do indivíduo, a dor, a morte, a solidão, o ecologismo...



Também denunciou as sombras que enegreceram os supostos avanços morais do progressismo mais radical. Lessing costuma abordar estes temas sem piedade, com uma visão forte e cruel, fazendo ostentação do seu pessimismo.

Existencialmente desencantada, as suas novelas, muitas apoiadas na sua experiência vital, pretendem ser uma radiografia dos sucessivos momentos decorridos pela cultura ocidental na segunda metade do século XX. Também continuou a utilizar literariamente a vida em África, como se pode verificar em Riso africano (1982), um singular livro de viagens, e nos seus três volumes de Contos Africanos.

Aceprensa, 17 de Outubro de 2007



Tradução e adaptação: Maria Helena Henriques Marques
Professora do Ensino Secundário

“As virtudes continuam a estar na moda”



Observando o ambiente circundante, quase nos atrevemos a afirmar que tanto a Europa ocidental, como os Estados Unidos, são sociedades decadentes porque têm abandonado, com frequência, a moralidade baseada nas virtudes tradicionais. Isto afecta – diz-se, de modo particular, as mulheres, consideradas, frequentemente, como excessivamente temperamentais e incapazes de controlar o seu próprio carácter.

A este tema se refere Kenneth Minogue, professor de ciências políticas da School of Economics de Londres, que assinala que a virtude da prudência, uma vez que serve para coordenar os actos virtuosos da pessoa, é especialmente importante para o equilíbrio da conduta humana.

De um modo geral, as virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade que regulam os nossos actos, ordenando as paixões e guiando-nos segundo a razão e a fé.

Apresentam-se-nos agrupadas em torno de quatro virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança.

A prudência, é considerada a virtude-mãe por ser instrumental e base de todas as outras virtudes humanas; a justiça, é definida como uma “constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido”; a fortaleza, “assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem”; a temperança pode ser descrita como sendo a prudência aplicada nas diversas circunstâncias na justa medida.

Os filósofos utilitaristas do século XVIII, criticaram a virtude da prudência e tentaram substituí-la por um sistema científico que maximizava a felicidade. Mais tarde o mundo moderno interpretou a prudência como estratégia para evitar riscos e, em vez da virtude passámos a ter uma análise estatística e uma teoria das probabilidades...

Outra forma que tem contribuído para debilitar a virtude da prudência concretiza-se no papel crescente do Estado.

Em vez da responsabilidade pessoal, temos actualmente uma regulação da conduta cada vez maior, por parte dos governos.

Por outro lado, Theodore Malloch, director executivo do Roosevelt Group de Maryland, examina a virtude da frugalidade, cujas origens se encontram na tradição calvinista e que se baseava na ideia de que o valor de uma pessoa não se determina pelo montante que gasta, mas sim pela sabedoria nas suas responsabilidades assumidas, na medida em que se trata de um administrador da criação de Deus.

Hoje em dia, pelo contrário, uma pessoa frugal é aquela que tem um desejo ilimitado de possuir bens, o que denota uma certa instabilidade espiritual. A sociedade moderna inverteu as coisas e vê no ter, um sinal de êxito...


Mas quando, se trata de orientar o nosso próprio comportamento para que nos leve ao fim supremo, agimos levados pela virtude da prudência (recta ratio agibilium), virtude intelectual e, ao mesmo tempo, moral, na medida em que é ela que julga com rectidão os meios adequados para atingirmos o nosso fim último.

Não se confunde com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou a dissimulação. A prudência é mestra e guia, de forma recta e imediata, o juízo da consciência.

A pessoa prudente decide e ordena a sua conduta, seguindo esse juízo...


Maria Helena Henriques Marques
Professora do Ensino Secundário

Os Sentimentos


Certo dia a Loucura resolveu convidar alguns dos seus amigos para tomar um café em sua casa.
Após o café, para criar um ambiente alegre, propôs o seguinte:

– Vamos brincar às escondidas?
– Escondidas? O que é isso? – perguntou a Curiosidade.

– Escondidas é uma brincadeira. Enquanto conto até 100, vocês escondem-se. Quando terminar de contar, vou procurar onde se terão escondido e o primeiro a ser encontrado será o próximo a contar.

Todos aceitaram, menos o Medo e a Preguiça.

– 1,2,3,... – a Loucura começou a contar.

A Pressa escondeu-se primeiro, num lugar qualquer.
A Timidez, tímida como sempre, escondeu-se na copa de uma árvore.
A Alegria correu para o meio do jardim.

Já a Tristeza começou a chorar, pois não conseguia encontrar um local que lhe parecesse adequado para se esconder.
A Inveja acompanhou o Triunfo e escondeu-se perto dele debaixo de uma pedra.

Enquanto isso a Loucura continuava a contar e os seus amigos iam-se escondendo.
O Desespero ficou desesperado ao ver que a Loucura já estava no noventa e nove e ele sem conseguir um esconderijo...

CEM! – Gritou a Loucura. – Vou começar a procurar...

A primeira a ser encontrada foi a Curiosidade, que já não aguentava mais, querendo saber quem seria o próximo a contar.
Ao olhar para o lado, a Loucura viu a Dúvida em cima de uma cerca sem saber em qual dos lados ficar para melhor se esconder.

E assim descobrindo a Alegria, a Tristeza, a Timidez...
Quando estavam reunidos, a Curiosidade perguntou:

– Onde está o Amor?

Ora, ninguém o tinha visto...
A Loucura partiu a procurá-lo.

Procurou no cimo da montanha, nos rios, debaixo das pedras e o Amor não aparecia!...

Procurando por todos os lados, a Loucura viu uma roseira, pegou num pauzinho e começou a procurar entre os galhos, quando de repente ouviu um grito.

Era o Amor, gritando por lhe ter furado o olho com um espinho.
A Loucura ficou sem saber o que fazer.

Pediu desculpas, implorou pelo perdão do Amor e até prometeu segui-lo para sempre.

O Amor aceitou as desculpas.


Hoje, o Amor é cego e a Loucura acompanha-o sempre, para onde quer que vá...



Adaptação
Natália Rodrigues