sexta-feira, 18 de abril de 2008

As Mães - II


Mãos de fada, essas da nossa Mãe!

Vejo-a na cozinha a preparar coisas boas, também aí aproveitando frequentemente outras tantas coisas boas restantes de outras refeições. Ai aqueles croquetes de puré de batata com picado de carne! Ai os "ninhos de andorinha", para dar saída ao pão duro! Ai os sonhos de bacalhau, espremidos pelo bico, em forma de estrela, de um saco de pano! Ai os pastelinhos folhados, com a massa tendida pela Mãe sobre a mesa da cozinha, com dobras e voltas certas, segundo um rigorosíssimo critério!

Certo dia, frequentava eu o 5.° e último ano da Faculdade, o saudoso Professor de Ontologia Doutor Júlio Fragata, após um exame oral de cerca de três horas e já em tempo de conversa informal, pediu-me que lhe falasse dos meus Pais. Creio ter sido sua intenção observar traços de hereditariedade porventura visíveis na minha maneira de ser, que ele foi conhecendo ao longo do curso.

Lembro-me de lhe ter apresentado um Pai, há muito falecido (eu só tinha então quinze anos), como uma das mais talentosas pessoas que eu já conhecera, de um brilho polifacetado, a estender-se desde o dom de bem escrever ao de cantar e tocar guitarra com uma alma e uma sensibilidade únicas. Depois de mostrado ao Professor tal retrato do Pai, assim destacado e enaltecido, ele atalhou com este luminoso comentário: "Se um homem sensível, inteligente e brilhante, como diz que era o seu Pai, escolheu para partilhar a vida a mulher que é sua Mãe, não precisa de me falar dela. Deve ser uma pessoa de muito valor".

Disse tão pouco, nestas linhas, sobre a minha Mãe, que está quase a partir! Apenas aqueles flashes instantâneos que, como uma fixação, se instalaram na minha mente esta noite, na hora em que lhe peguei nas mãos enrugadinhas, com alguns dedos muito tortos das artroses, e as recordei, habilidosas e desembaraçadas, sempre, sempre trabalhando para nós. Umas mãos que sabiam fazer tantas coisas! Até pintar, em tempos mais recuados.

Meu Deus, que falta me vai fazer a minha Mãe!

Eu, que tenho a ventura de também ser mãe, sinto com uma força tremenda a intensidade desta relação visceral, que me une à minha Mãe e me une aos meus filhos! Nenhuma outra relação é assim. Aos que trouxemos dentro de nós e à que nos trouxe dentro de si sentimo-nos ligados para sempre por um elo indestrutível e único.

Eu não sei se o meu leitor é dos que têm uma Mãe velhinha; mas, se tiver, aproveite bem o tempo de a ter, o tempo de a sentir, o tempo de a ajudar nas coisas mais elementares e simples, o tempo de a ouvir com paciência contar mil vezes a mesma história, o tempo de ter de lhe repetir as coisas, porque não as ouve, o tempo de se encantar com ela! Aproveite mesmo, porque, quando a perder, vai sentir-se tão sozinho, tão vazio e tão desprotegido que só terá lugar, no seu coração, para uma imensa saudade.


Maria Luísa Lamela

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