Ter uma Mãe muito velhinha, na casa dos 90 anos, uma Mãe que não é rabugenta nem exigente, uma Mãe linda que acha sempre que tudo está bem, uma Mãe que passa longas horas com um trozinho de lã, fazendo pequenos presentes para nos dar, ter uma Mãe assim é uma bênção!
No momento em que escrevo estas linhas, eu tenho uma Mãe assim, quase a fazer 93 anos! Mas no momento em que estas linhas forem lidas, provavelmente, já não terei essa felicidade.
A minha Mãe velhinha está a chegar ao fim, e só um suplemento permanente de oxigénio a mantém ainda na caminhada da vida.
E porque em situações emocionais de grande densidade me assalta um incontido desejo de escrever, debruço-me hoje sobre essa experiência íntima, comum a todos os filhos contemplados com a ventura de terem Mãe até tarde, da dolorosa espera pelo seu momento final.
Como é possível que uma pessoa tão velhinha, tão incapaz de fazer o que quer que seja, até de comer sozinha ou de caminhar, tão dependente e tão frágil, nos faça tanta falta?! Como se explica este vazio desolador que se nos instala na alma depois da sua ausência?! Porque ficamos nós, do lado de cá, cheios de saudades de tudo - das inquietações que ela nos deu, de todo o tempo que com ela gastámos, dos esforços para a segurar e a ajudar a andar, da canseira com as sopas e as comidas passadas para não se engasgar, da paciência a ouvi-la contar e recontar as mesmas coisas?!
Sinto neste momento uma tristeza infinita e uma saudade prematura que me não deixa sossegar. Ter Mãe é uma felicidade, e muito em breve eu vou deixar de ter Mãe.
Dou comigo a recordar-me de como ela foi ao longo de tão longa vida.
Uma Senhora linda, lindíssima e donairosa – "uma estampa!", dizia-se na terra - de rosto simpático e sorridente, uma Senhora que o meu Pai amou imensamente e que, com alegria repetida em cada nascimento, trouxe à luz do dia seis rijos bebés (cinco raparigas e, sete anos depois, um único rapaz).
Lembro-me, com absoluta nitidez, de anos muito recuados da minha infância (3, 4, 5 anos), e de como era a minha Mãe nesse tempo, numa casa com tanta gente!
Usava eu então, para não me sujar enquanto brincava, babeirinhos ou bibes, feitos por vezes com encaixes e aplicações de tecidos diferentes, retirados de roupas desfeitas das irmãs mais velhas.
Que lindos eram esses babeirinhos, feitos de aproveitamentos, que patenteavam o bom senso, o bom gosto e o esmero da Mãe!
Lembro-me de ir para a escola muito aprumada e arranjadinha - um primor de asseio - com um laçarote no cabelo, que a Mãe me fazia antes de sair. Lembro-me das ocasiões especiais em que era de regra estrear roupa nova: o Domingo de Páscoa e o dia da Senhora da Saúde, dia de festa em Esposende, onde morávamos. Ah, também havia luxos na memorável data do exame da 4ª classe, farpelinha toda "nova em folha", dos pés à cabeça, incluindo sapatos a apertar com presilha e soquetes com dobrinha, tudo adequado à solenidade do momento. A Mãe punha-nos num "brinquinho" para irmos fazer exame!
Lembro-me de a ver tricotar para nós camisolas lindas, algumas também com recurso a lãs desfeitas de outras peças, e com combinações de cores de vistosos efeitos. Era ainda o tempo das meias de quatro agulhas, que a Mãe manobrava com grande agilidade, sendo que algumas destas obras, confeccionadas às escondidas das mais pequeninas (eu era a mais nova de todas), vinham depois parar aos sapatinhos, na noite de Natal, como sendo prenda do Menino Jesus.
Seguia-se então, muito arregalados os olhos inocentes, a surpresa geral: "Como é que o Menino Jesus adivinha os tamanhos, para trazer tudo a servir às pessoas?"
Maria Luísa Lamela
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