INTRODUÇÃO
Mafalda Ribeiro tem 32 anos de uma vida invulgar. Estudou jornalismo, mas foi técnica de comunicação numa empresa de ambiente. Não é jornalista na prática, mas é o gosto pelas letras que faz mover a sua cabeça, ainda que as pernas não lhe obedeçam. Convive com a doença rara congénita Osteogénese Imperfeita e desloca-se em cadeira de rodas desde sempre. Publicou em 2008 o seu primeiro livro “Mafaldisses – Crónicas sobre rodas” (4ª edição). É autora, cronista e interventiva na área da exclusão social. Fez uma certificação em Coaching Internacional e é oradora motivacional. É convidada para falar em público acerca da sua visão otimista da vida em empresas, escolas, seminários e foi ainda oradora numa Ignite e dois TEDx. É voluntária em projectos de solidariedade social, tem um olhar humanista e aguçado do mundo e por isso dá a cara e a voz pela inclusão e pela igualdade de oportunidades, sempre que lhe dão tempo de antena. Mafalda Ribeiro não vê limites diante das suas limitações. É uma mulher de palmo e meio, informada, atenta aos pormenores e grata por poder continuar a usufruir da viagem da vida. Celebra-a continuamente com um sorriso... sobre rodas!
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"Nunca fui autónoma, mas isso não me tornou menos digna em nenhum dos dias, desde que nasci. É por isso que não posso ficar em silêncio, numa altura em que nos preocupamos em como ajudar os outros a morrer
"Enquanto encararmos as nossas incapacidades como tragédias, terão pena de nós. Enquanto sentirmos vergonha de quem somos, as nossas vidas serão vistas como inúteis. Enquanto ficarmos em silêncio, serão outras pessoas a dizer-nos o que fazer” (Adolf Ratzka).
Sim, eu tenho 95% de incapacidade motora, avaliada por uma Junta Médica. Mas a minha vida nunca foi uma tragédia, apesar de todos os “tsunamis” que tive de enfrentar. A minha vida não é inútil porque sei que através dela posso ser relevante para quem acha que já perdeu a esperança. Os outros até podem dizer-me o que fazer, mas a minha liberdade individual levou sempre a melhor, ainda que “aprisionada” numa cadeira de rodas. Sabem porquê? Porque eu nunca tive vergonha de pedir ajuda, para viver. Nunca fui autónoma, mas isso não me tornou menos digna em nenhum dos dias, desde que nasci. É por isso que não posso ficar em silêncio, numa altura em que nos preocupamos em como ajudar os outros a morrer. E se ajudássemos os outros a viver?
Se calhar mais do que ser pró-vida - ao defender a vida independente e assistida e os cuidados continuados e paliativos, ao alcance de todos - sou fundamentalmente contra uma coisa: isto do ser-se “morno” e a descambar para o contraditório. Quem defende o chamado “direito a morrer com dignidade”, não me convence que é a favor da vida. A favor da vida é quem dá, se for preciso, a própria vida (e com isto quero dizer, o seu tempo, a sua entrega, dedicação, presença e atenção) aos outros. É quem ajuda os outros a viver.
Esta semana ouvi uma frase que contraria aquilo que considero óbvio: “SE eu não fizer pelos outros, quem o fará?” - basicamente o resumo de toda a vida de Jesus na terra, aquele que considero ser o maior Mestre da Inclusão, de todos os tempos. Em oposição a isto temos “o mantra da auto-ajuda” que defende: “SE eu não fizer por mim, quem o fará?”.
Achamos que estamos a ser profundamente solidários ao nos colocarmos do lado dos que dizem “sim” a ajudar alguém a acabar com o seu “sofrimento profundo”. Que acto de altruísmo este! Afinal, se não há auto-ajuda, nós damos uma mãozinha…! Pergunto: seremos nós alguma vez capazes, enquanto seres humanos limitados, de compreender o sofrimento de alguém? Seremos nós alguma vez capazes, enquanto seres humanos limitados, de decidir quando ele deve terminar?
Para aqueles que dizem que temos o direito à vida e à morte, não concordo que isto seja assim tão linear. Porque direito à vida, como eu o entendo, não foi uma decisão minha. Primeiro, existi; a seguir é que percebi que estava na vida, logo tinha o direito a vivê-la (no meu caso, prefiro considera-la um dever!), a partir do momento em que fui colocada cá. A vida é para todos uma viagem com principio, meio e fim. Agora, direito a querer morrer, a morrer de facto e a querer que me matem, são coisas totalmente diferentes.
Chamando as coisas pelos nomes: se eu quiser acabar com a minha vida, é suicídio. Se alguém acabar com a minha vida, é homicídio. O resto? Para mim está claro: o resto é um emaranhado de fios que confundem amor-próprio com egoísmo, compaixão com piedade, direitos com deveres, dor com sofrimento e o que significa realmente a tão repetida “dignidade”. Os defensores da eutanásia acham mesmo que ajudar uma pessoa a morrer é estar a fazer algo por ela? Sou obrigada a concordar: ajudar alguém a morrer é tirar-lhe a vida. É, sem eufemismos, matar essa pessoa.
Dentro de dias a agenda mediática vai falar da celebração internacional das Doenças Raras, como é a minha - e atenção que eu sou uma abençoada na minha condição de deficiente. Experimentem pesquisar sobre isso e vão ver que isto de ter uma doença rara é cada vez menos raro. Viver com uma doença terminal, também já deixou de ser raro. Raro é quem tem a capacidade de ajudar os outros a viver. Raro é quem está com o outro como uma extensão de si mesmo - como um leitor fiel e presente - em vez de ter um papel de co-autoria no fim da história. Raro é viver a vida como um milagre diário, agora e até à hora (natural) da nossa
morte.
Mafalda Ribeiro
morte.
Mafalda Ribeiro
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