terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

O matrimónio está a salvo; o homem em perigo


O matrimónio é de interesse público?
(Ricardo Benjumea)

Passará esta geração à história como a que destruiu o matrimónio? Não.

As leis carecem de poder para aniquilar uma instituição

que nasce da própria natureza humana.

Podem apenas gerar uma massa de indivíduos desgraçados.

É este o futuro que nos espera?

Um grupo de intelectuais norte-americanos acredita que a polémica sobre o “casamento homossexual” pode ser uma ocasião de ouro para encontrar

“o caminho de regresso a casa” para essa instituição natural chamada matrimónio.



Em “The Meaning of Marriage. Family, State, Market and Morals”, editado por Robert P. George y Jean Bethke Elshtain, um grupo de especialistas propõe-se abordar este tema submetendo, todos os postulados, à prova. A premissa é que “falta rigor intelectual” às partes nesta discussão por demais influenciada por preconceitos ideológicos e por excesso “moralista”. A aprovação por via judicial do chamado “casamento homossexual” no Estado de Massachusetts gerou, nos Estados Unidos, o “debate público mais polémico das últimas décadas”, no dizer Elshtain, professora de Filosofia Política.


I – A noção de matrimónio não é indiferente


No prefácio, Jean Bethke Elshtain apresenta uma linha argumental que se repete em vários ensaios: toda a sociedade tem tido uma concepção determinada do matrimónio, que experimentou variações no tempo. “Contudo, a flexibilidade tem limites”, e sempre existiram características comuns, que certas sociedades, culturas e religiões souberam realizar, proteger e potenciar melhor que outras.
O matrimónio é, em todo o caso, a união de um homem e uma mulher, e a mais adequada para procriar e educar os filhos,bem como moralizar o comportamento sexual humano.
Roger Scruton, da Universidade de Buckingham, sustenta que o matrimónio sempre foi mais que um “contrato para se viver juntos”. “Um casamento é, antes de mais, um rito de passagem de uma condição social para outra” que tem, desde as suas origens, “uma aura sagrada” inclusivamente quando, com o direito romano, surgiu o matrimónio civil, nunca equiparável a um contrato.
David F. Forte analisa as características do vínculo matrimonial ao longo da história e chega à mesma conclusão.
Já Aristóteles tinha também descoberto que a forma de matrimónio determina o tipo de sociedade, e que “ os bárbaros não possuíam uma pólis porque tinham famílias imperfeitas, onde a mulher era escrava do marido”.
Não é indiferente, ao desenvolvimento do potencial humano, a definição que se quiser dar desta instituição, tal como não o é viver sob uma tirania ou sob um governo justo.
Segundo Scruton, a união matrimonial chegou à sua máxima perfeição com o cristianismo: “os pais compreenderam a sua relação para com os filhos como ‘ágape’ (a forma mais elevada de amor)”, ao mesmo tempo que “a combinação de consentimento livre com o componente espiritual converteu o sacramento do matrimónio na forma mais elevada de amizade”. Nem sempre os esposos viveram assim a sua relação, mas os princípios estavam definidos, e o papado moderno soube depurar o sacramento e denunciar os costumes que o profanavam.


II – Nas mãos do Estado


Simultaneamente, surgiu uma contestação filosófica e cultural de primeira ordem. A ilustração escocesa e, depois, a francesa introduziram, pouco a pouco, a concepção do matrimónio como contrato, e com ele o Estado se arrogou da potestade de fazer e desfazer uma instituição que apenas, tangencialmente, tinha pertencido à sua esfera de poder.
Como expõe Jennifer Roback Morse, foi esta a lógica que abriu as portas a todas as formas experimentais de “família” que hoje conhecemos, e tem conduzido à própria dissolução do matrimónio. Em muitos lugares, entre eles, a Espanha, a união matrimonial está ainda menos protegida que um contrato. Do lado contrário, “ o juiz estaria muito interessado em saber quem o rompeu e porquê”. Morse acredita que esta tendência pode chegar a devastar a sociedade desde os seus fundamentos, e se o processo ainda não se precipitou, com toda a sua força, é devido à influência de muitas pessoas viverem de acordo com uma concepção do matrimónio distinta da que o Estado propõe.


III – A perda de significado do matrimónio só pode conduzir ao empobrecimento da vida em comum.


Para reflectir sobre esta realidade, sugere-se uma imagem ilustrativa:
§ Uma empresa encomenda um camião de cimento, mas este não chega, e todos os empregados passam o dia desocupados. O transportador, ao ser chamado à atenção, alega que não lhe apeteceu respeitar o contrato, dizendo: “Este é um país livre! Não sou teu escravo”.
Extrapolada esta forma de actuar ao matrimónio, o que é que aconteceria?
§ “Exactamente o que teria previsto um economista: menos filhos, menos qualidade e mais custos”. E no final, mais Estado e mais impostos, uma vez que alguém deve resolver os problemas que, anteriormente, o costume e a lei educavam e incentivavam para que fossem resolvidos dentro do matrimónio.
Quando chegam esses problemas, diga o que se disser a lei, não resta mais remédio que admitir que o matrimónio não é apenas uma coisa de dois. Maggie Gallagher, presidente do Institute for Marriage and Public Policy, sintetiza um dos aspectos mais politicamente incorrectos hoje: os efeitos da ruptura matrimonial – e, mais ainda: da inconsistência das uniões de facto – para a mulher e para os filhos, e a importância de haver um rol masculino e outro feminino na educação dos filhos.


IV – Os fundamentos biológicos


A questão sobre o matrimónio é também uma questão acerca do ser humano.
Robert P. George, de Princeton, põe à prova a tese do sociólogo James Q. Wilson que concebe o matrimónio como “aliança reprodutiva”, e diversas outras ideologias que questionam o núcleo matrimonial, desde os pensadores ilustres até à teoria de géneros. Há em qualquer caso, uma questão prévia que exige resposta.
Se partirmos do princípio de que o matrimónio é mais uma invenção social, ou que é uma criação do Estado, as consequências serão bem diferentes do que se chegarmos a demonstrar que nasce por necessidade do mesmo homem: da sua divisão sexual, da sua natureza social e moral e do desamparo com que nasce.
Este último aspecto, exposto em quase todos os ensaios, acarreta um paradoxo nada fácil de assumir para a mentalidade ocidental contemporânea: a situação da radical dependência com que nasce o homem e que é também o fundamento biológico da sua liberdade e da sua sociabilidade. Até as espécies animais evoluídas têm uma ínfima margem de manobra diante dos ditames da natureza física. O bébé, contudo, nasce incompleto, porque não dispõe de um manual de instruções nos seus genes. Tem é acesso ao que aprenderam milhares de milhões de seres humanos que nasceram antes dele. E tem, em primeiríssimo lugar, o exemplo dos que o rodeiam que talvez, inconscientemente, lhe transmitem um legado cultural de muitas gerações bem como uma panóplia de valores essenciais pelos quais se poderá orientar ou não, em função da coerência e da autenticidade que perceber na forma de viver dessas pessoas. Por isso é livre, e por isso está aberto ao sentido, à transcendência e à moral. Mas há um requisito para que o bebé se converta num adulto livre: necessita da presença constante de outras pessoas. A conclusão, pela negativa, é que não existe o homem solitário.


V – A favor da criança


Mas há agora outra resposta no sentido positivo: sabemos com certeza que o ingrediente necessário para o desenvolvimento saudável de uma criança é o clima de amor e de estabilidade. Ora, são estas as necessidades do bébé que, dificilmente, poderão ser satisfeitas pelo Estado ou pelo mercado. No entanto, salvo raras excepções, o homem e a mulher que o conceberam estão capacitados para o fazer.
Assim se cria uma nova realidade: a família que adquire uma identidade própria muito para além da soma dos seus membros. Por tudo isto, é este o lugar onde se recebe a primeira e fundamental educação.
Os deputados norte-americanos, explica Forte, tiveram muito presente esta ideia da família como escola da virtude, ideia a que, na Europa Continental, Montesquieu não foi alheio: a família é a instituição fundamental para educar os indivíduos na virtude pública necessária para a sustentação de uma república, em contraste com o governo despótico, regido pelo medo.

Aceprensa, n.º 81/06 de 25/7/2006



Tradução de Maria Helena Henriques Marques

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