sábado, 26 de janeiro de 2008

Ser feliz



"Se alguém não encontra a felicidade em si mesmo, é inútil que a procure noutro lugar"

La Rochefoucauld

Todos nós sabemos que ser feliz é um dos mais antigos direitos da humanidade. E também sabemos que não há ninguém que não mereça auferi-lo. Há, no entanto, quem pense nunca poder alcançar esse dom.


E isso resulta de uma certa insatisfação e de um conceito errado de o que é a felicidade. O homem foi criado para ser feliz e seria insensato imaginar um Deus cujo prazer consistisse em submetê-lo a contínuas desgraças.


Essa ideia seria demasiado humana para ser divina e, quando assim pensamos, estamos a fazer um Criador à imagem da nossa imbecilidade e à semelhança da nossa estupidez. Porém, a causa, é bem diferente.


Neste mundo estereotipado em que vivemos, a felicidade deixou de ser um ideal do indivíduo para ser uma aspiração das multidões. Todos querem ser felizes da mesma maneira. Convencionou-se que não há felicidade sem automóvel, sem uma casa repleta de electrodomésticos, de electrónica, de móveis de estilo, de livros caros (mas que nunca se lêem), de imitações de objectos e de quadros antigos (dos quais não se sabe falar), sem roupas e calçado de marcas badaladas... enfim e para resumir, sem todos esses sinais exteriores de riqueza que por aí se vêem.


Quanto a boas maneiras, civilidade, educação ou cultura, tudo isso é secundário. O que é preciso é ter dinheiro. E como nem todos o podem ter para se fazerem passar por aquilo que não são, daí a "infelicidade" de muitos. Uma infelicidade que gera invejas, revoltas e que, infelizmente, está a transformar a sociedade num viveiro de insatisfeitos, de egoístas e de falsários.


Há na terra milhões de pessoas a sonhar a mesma coisa e a desejar os mesmos bens. E é assim que os espíritos simples se asfixiam numa atmosfera de estupidez. E são cada vez mais os que não conseguem viver fora desse esquema.


Cada vez se deseja possuir mais. Cresce, dia a dia, a inveja pelo vizinho. A ânsia de "também querer ser" aumenta no sentido inverso do "querer fazer". Atropelam-se os princípios mais sagrados para chegar mais depressa a um lugar que se cobiça, mas que não se merece. O que mais interessa é "parecer".


É uma luta feroz e constante entre aquilo que se tenta aparentar e a verdadeira realidade daquilo que se é. Parece que fica assim, mais ou menos, traçado, ainda que com pálidas pinceladas, o retrato daquele que quer ostentar coisas superiores aos seus recursos e à sua mentalidade. E é esse, de facto, o protótipo do verdadeiro infeliz.

E é tão fácil ser feliz! Contentarmo-nos com o que temos e orgulharmo-nos de sermos, apenas, como somos, é já o começo da felicidade.


Manuel Ventura da Costa

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

“Cérebro e Educação - Diferenças sexuais e aprendizagem”



  • Educação diferenciada


Estudos neurológicos lançam nova luz sobre as diferenças sexuais na aprendizagem.



O reconhecimento das diferenças dos cérebros masculino e feminino, e a sua consideração no processo educativo poderiam supor uma revolução no rendimento académico e facilitar uma redução notável dos actuais níveis de insucesso escolar, tendo em conta as conclusões de uma jornada convocada pela Associação Europeia de Educação Diferenciada (EASSE). Uma das estratégias que esta entidade propõe – apoiando-se na liberdade de ensino – é a possibilidade de separar as aulas de rapazes e raparigas por níveis etários, coincidindo com os diferentes períodos cognitivos, já reconhecidos pela ciência.


Conforme explicou Maria Calvo, presidente da EASSE, “o que se pretende é combinar as aportações de cientistas de áreas diversas, com diferentes orientações e que chegaram a algumas conclusões parecidas: há diferenças cognitivas a que se deveria prestar atenção; deste modo, a defesa de uma educação diferenciada não é uma questão política, cultural ou religiosa como por vezes se pretende admitir.


Ainda que neurologistas e psicólogos sejam cautelosos no momento de fazer generalizações com as conclusões dos seus estudos, coincidem em afirmar que “as capacidades cognitivas são, em linhas gerais, diferentes entre o cérebro masculino e feminino. O primeiro está melhor dotado para o manejo espacial e o raciocínio matemático. O segundo para a fluidez verbal e a interpretação dos dados emocionais”, conforme declarou Hugo Liaño, professor da Universidade Autónoma de Madrid e chefe do serviço de Neurologia do Hospital Puerta de Hierro de Madrid. Estas afirmações que se apoiam em investigações neuropsicológicas recentes, têm origem no dimorfismo cerebral – diferenças de forma segundo o sexo, distinção que começa no período embrionário e que se mantém ao longo da vida, devido à influência hormonal.



Por exemplo, a acção das hormonas dá lugar a “um maior tamanho de certos núcleos cerebrais no homem comparativamente à mulher, e a uma maior lateralização das funções cerebrais na mulher relativamente ao homem", afirma Maria Gudin, neuróloga e autora do livro "Cérebro e afectividade". Apesar de reconhecer que muitas das diferenças entre os géneros não estarão totalmente estabelecidas, Gudin considera que “devem ser tidas em conta à hora de definir estratégias psicopedagógicas na educação”.


  • Ensinamentos da psicologia

Na opinião de Francisco José Rubia, catedrático de Fisiologia e autor do livro "O sexo do cérebro", uma das conclusões aplicáveis à área educativa provém, precisamente, da maturação posterior do hemisfério esquerdo nos rapazes, que faz com que transtornos de desenvolvimento, como a dislexia, a hiperactividade ou a tartamudez os afectem mais.


A partir do âmbito da psicologia acrescentam-se novos pontos dissemelhantes com implicações educativas, como “o rendimento académico, a aparição e o desenvolvimento da linguagem, as habilidades numéricas, espaciais, mecânicas, etc. que demonstram uma clara diferença entre homem e mulher”, afirma Serafim Lemos, catedrático de Psicologia da Universidade de Oviedo.


Assim, “com umas medidas de desenvolvimento linguístico prematuro, incide-se no desenvolvimento intelectual posterior das mulheres, mas não tanto nos homens; e uma carência de educação no período pré-escolar; ao contrário, tem efeitos mais negativos nas meninas do que nos meninos”, declara Lemos, sem perder de vista que não devem ter lugar generalizações do tipo “qualquer mulher é superior a qualquer homem nas capacidades ou agilidades verbais ou que qualquer homem supera a mulher nas habilidades viso-espaciais”.


O mesmo autor aponta ainda algumas tendências diferentes na personalidade de homens e mulheres: “os varões caracterizam-se por um maior nível de agressividade, dominância e motivação do lucro; as mulheres, pelo motivo de uma maior dependência, uma mais intensa orientação social, daí serem mais afectadas pelos fracassos”. Embora a aparição desses rasgos de personalidade se encontre motivada por factores biológicos como a herança e as funções neuropsicológicas, na sua configuração também actuam elementos de tipo psicossocial, como estilos de vida, entre os quais se incluem os tipos de educação e de protecção, e sobre os quais se poderia actuar.

  • Consequências no ensino

Para Maria Calvo, “impõe-se aproveitar todas as diferenças inatas, para tirar o máximo partido da educação”. E no marco da liberdade de ensino, “permitir uma educação diferenciada flexível, nas escolas públicas, para alguns grupos etários, com a finalidade de tentar diminuir o insucesso escolar masculino ou fomentar as destrezas matemáticas nas raparigas, como já se tem vindo a verificar com êxito na Alemanha” é fundamental.


Considera ainda que muitos professores não estão conscientes das diferenças e “exigem o mesmo, de idêntica forma, tanto a meninos como meninas, no mesmo espaço de tempo e com o objectivo de obter uma mesma resposta por parte de ambos os sexos".


Um claro exponente é o modo de abordar o fracasso escolar – o nível de abandonos em Espanha atinge os 33% aos 16 anos-, pois “ignora-se a existência de uma forte componente sexual no insucesso escolar e, apesar de a variável sexo ser relevante no âmbito educativo, não há nenhuma actuação para encontrar uma solução, quer experimental queradministrativa”.


Os resultados das investigações sobre o cérebro também permitem outras leituras, com consequências educativas a diferentes níveis. Para Natália López Moratalla, catedrática de Bioquímica e autora do livro "Cérebro de mulher e cérebro de varão" (Rialp), assegura, precisamente, que o facto de, no cérebro humano, haver dois hemisférios abre a possibilidade de dois estilos de pensar que a unidade vital deverá equilibrar: “Um cérebro humanizado pode passar para primeiro plano o olhar analítico ou o olhar contemplativo, de acordo com a actividade que estiver a realizar, apesar da assimetria funcional dos hemisférios direito e esquerdo estar determinada, geneticamente, por processos precoces da vida fetal, e pelos níveis de hormonas(...); também a educação, a cultura e as resoluções pessoais amadurecem ou humanizam um cérebro que,consegue permanecer plástico por toda a vida”.


M. Ângeles Burguera. Aceprensa, 18 /12 07


Tradução e adaptação: Maria Helena Henriques Marques
Professora do Ensino Secundário

Os três segredos da qualidade de ensino





The Economist (20 de Outubro de 2007) resume um estudo da consultoria McKinsey acerca das chaves do êxito dos países que obtêm melhores resultados na informação PISA. A informação PISA (Programme for International Student Assessment), que a OCDE elabora em cada três anos a partir de exames realizados a alunos de 15 anos de numerosos países (mais de 60, na última edição), converteu-se na principal obra de referência sobre a qualidade do ensino no mundo. Ao fornecer resultados académicos normalizados, permite comparações internacionais que dão pistas acerca do que funciona ou não funciona na educação.

Sem dúvida, as chaves do êxito (ou do fracasso) não se descobrem à primeira vista. O dinheiro não é decisivo. A Austrália, que triplicou a despesa por aluno desde 1970, não consegue alcançar Singapura, que gasta menos que a maioria dos países. Os Estados Unidos ocupam o terceiro lugar inferior da classificação, apesar de desde 1980 quase ter duplicado a despesa por aluno e diminuído o número de alunos por professor a um mínimo histórico. Ao contrário, a Coreia do Sul está entre os quatro primeiros países em todas as provas, com umas aulas muito nutridas. E se os rapazes finlandeses são os primeiros na leitura e em ciências, e os segundos em matemáticas, não é porque passem o dia a estudar: de facto, têm menos horas de aulas que os seus contemporâneos de outros países.

  • Os professores são a chave

O “mistério” parece estar no facto de os factores decisivos para a qualidade do ensino não serem facilmente quantificáveis. O estudo de McKinsey conclui que os rasgos comuns aos países que encabeçam a tábua PIZA (Hong Kong, Finlândia, Coreia do Sul, Japão, Canadá) são estes três: contratam os melhores professores, tiram deles o máximo partido e intervêm quando os resultados dos alunos começam a baixar. Não é precisamente uma “revelação”: Não é isso que fazem, justamente, todos os países? A verdade é que não, disse McKinsey.

Todo o mundo está de acordo em reconhecer que os professores são uma peça chave; as palavras de um funcionário coreano citadas por The Economist: “A qualidade de um sistema educativo não pode ser melhor que a dos seus professores”. Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, acrescenta a revista, se se seleccionam alunos de capacidade média e se atribuem a professores melhor classificados em 20% relativamente aos restantes, acabam no grupo dos 10% com melhores notas; se se atribuem a professores de um nível mais baixo na ordem dos 20%, acabam entre os de piores notas.

Estima-se que nos Estados Unidos os professores provêm, em média, da terça parte dos graduados universitários com mais baixas classificações. E algo semelhante ocorre noutros países. Ao contrário, a Coreia do Sul recruta os professores primários dos 5% dos melhores graduados, e Singapura e Hong Kong, dos 30% melhor classificados. E o segredo não está na paga, pois não lhes são oferecidos salários acima da média, enquanto que os países onde os professores ganham mais (Alemanha, Espanha e Suíça) não se destacam em qualidade.

Para conseguir os melhores há que ser muito selectivo, mas não de qualquer maneira. Muitos países formam grande número de candidatos que depois são seleccionados mediante a oposição de barreiras para entrar no ensino público. Os países com melhores resultados seguem outro método. Limitam os lugares de magistério nas escolas à procura real de professores, e gastam muito mais na formação dos que ingressam. Assim acontece, sobretudo, na Finlândia e Singapura; também na Coreia do Sul, mas apenas com os professores do ensino primário, que têm que preparar-se durante quatro anos em alguma das doze universidades com faculdade de Educação. Ao contrário, os professores do ensino secundário coreanos podem proceder de qualquer universidade ou colégio num total de 350, mas em cada ano saem 11 licenciados novos por cada vaga. Isto ilustra, dentro de um mesmo país, a diferença entre os dois sistemas: na Coreia, os professores primários têm grande prestígio, e os do ensino secundário não estão bem considerados.

  • Formação prática


Temos agora a segunda chave: uma vez conseguidos graduados brilhantes para incorporar-se ao ensino, têm de aprender a exercê-lo bem. Os países com melhor qualidade de ensino facilitam formação prática abundante aos recém-chegados à carreira docente e fomentam a formação permanente para todos. Por exemplo, em Singapura, os professores novos recebem a tutela de colegas com experiência que são nomeados para esse fim em todas as escolas; e todos dispõem de 100 horas anuais para formação. Na Finlândia, os professores distribuem-se em equipas para que colaborem: supervisionam mutuamente as suas aulas e têm uma tarde livre, por semana, para prepararem as lições em conjunto.

  • Correcção


A terceira característica distintiva dos países com melhores resultados está no que fazem quando as coisas vão mal. O mais importante é detectar os problemas, e dir-se-ia que, para isso, é necessário avaliar periodicamente os alunos, com exames normalizados: assim, vê-se como vai o sistema escolar no seu todo e descobrem-se as zonas ou escolas onde baixa o nível académico. Mas o estudo de McKinsey não se pronuncia a favor nem contra esse método, porque não lhe encontra relação clara com a qualidade. A rede escolar pública de Boston, uma das melhores dos Estados Unidos, faz um exame anual a todos os alunos; mas isso mesmo é feito também, embora nem todos os anos, em lugares com pior qualidade de ensino, como Inglaterra e Gales onde, além do mais, se tornam públicos os resultados. Em contrapartida, a Finlândia prescindiu quase por completo dos exames nacionais e não publica os resultados das inspecções.

Qualquer que seja o modo de descobrir os problemas, os países destacados intervêm rapidamente e sempre. A Finlândia é “número um” em professores dedicados aos alunos que ficam para trás. Por isso, num ano normal, um de cada três alunos recebe aulas individuais de apoio. Singapura ministra aulas extra a 20% dos alunos mais atrasados, com o consequente trabalho extra para os professores.

As teses de McKinsey parecem quase triviais, no entanto vão contra alguns pressupostos implícitos da política educativa, comenta The Economist. Assim, é corrente acreditar que “não é possível conseguir os melhores professores sem pagar salários altos; que os professores em países como Singapura gozam de elevado estatuto devido aos valores confucianos; ou que os alunos asiáticos se portam bem e prestam atenção às aulas, por razões culturais”. Em comparação, “as teses de McKinsey parecem optimistas:

  • conseguir bons professores depende da selecção e da formação;
  • a docência pode ser uma opção atractiva para os melhores graduados universitários, sem necessidade de pagar uma fortuna;
  • e, há remédio para as escolas e para os alunos que ficam para trás se forem aplicadas as medidas adequadas.

Fonte: The Economist

Tradução e adaptação: Maria Helena Henriques Marques
Professora do Ensino Secundário