sábado, 4 de agosto de 2007

Estado de alerta: Pressentem-se no horizonte novos ventos de “cultura da morte”...




Depois do denominado “gigantesco retrocesso civilizacional” que significa a liberalização do aborto no espaço português, levado a efeito por uma minoria de 24% dos portugueses, em 11 de Fevereiro último, eis que se levantam novamente “vozes agoirentas”, “tenebrosas”, a sugerir a ampliação da cultura da morte, admitindo e/ou promovendo a eutanásia!

Onde estamos, e para onde nos querem encaminhar?!

A eutanásia, como todos bem sabemos, consiste numa prática através da qual se abrevia a vida de uma pessoa mais ou menos enferma, de maneira controlada e assistida por um especialista. Trata-se, no fundo, de uma “prática alternativa” aos imprescindíveis cuidados paliativos, que a dignidade da pessoa humana reclama e merece, como um dever grave de justiça, até ao momento sublime de uma morte natural que, essa sim, “é morrer com dignidade”...

A eutanásia representa uma complexa questão de bioética e de biodireito, uma vez que o primordial dever do Estado é a defesa e protecção da vida dos seus cidadãos.

A “eutanásia activa” concretiza-se nas acções que têm por objectivo pôr termo à vida, na medida em que é planeada e negociada entre o doente e o profissional que vai realizar o acto.

A “eutanásia passiva” por sua vez, não provoca deliberadamente a morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a interrupção de todos ou de alguns cuidados médicos, farmacológicos ou outros, o doente acaba por falecer. São canceladas todas e quaisquer acções que tenham por fim prolongar a vida. Não há por isso um acto que provoque a morte (tal como a eutanásia activa), mas também não há nenhum que a impeça.

Vários estudos têm vindo a divulgar que a maior parte das pessoas que solicitam os actos próprios da eutanásia activa não o faz pela dor física, mas por uma dor psicológica tratável. Isto demonstra o sentido de urgência da alteração do Serviço Nacional de Saúde, apetrechando-o de uma verdadeira e “humanizada” rede de cuidados paliativos, adequados, de forma personalizada, a cada situação.

É evidente que a maior parte ou a totalidade de alguns pedidos feitos pelos doentes poderiam e deveriam ser evitados, se existissem os necessários cuidados paliativos e não o “abandono” desses doentes terminais...
  • A ficção da “decisão voluntária”
Sabemos todos por experiência real que o instinto mais forte da natureza humana é o instinto de conservação da vida.

E conhecemos actualmente que, na imensa maioria dos casos, o desejo de suicidar-se não é consequência de danos corporais e dores extremas, mas sim a expressão de sentir-se abandonados. A medicina paliativa tem feito tais progressos, que as dores são quase sempre controláveis, em qualquer estado de enfermidade e, felizmente, não atingem o umbral do insuportável. Na maior parte dos casos, também a dedicação intensiva daqueles que prestam cuidados modifica o desejo de suicídio, produzindo antes a consciencialização de que a “nossa vida” continua a ser importante... O médico dedicado representa junto do doente a afirmação de que a sua existência continua a ser útil e solidária.


É precisamente nas situações de fragilidade anímica que pode aparecer o desânimo do doente, momentâneo, compreensível, associado a manifestações de fuga do sofrimento, mas que, na realidade, não são conscientes nem livres e que podem ser – e são-no muitas vezes – especuladas de forma catastrófica, por alguns profissionais de saúde que vão admitindo e esperando, secretamente, poder levar a cabo esse “desejo” inconsistente.

A realidade da intolerância frente aos débeis foi adquirindo, ao longo da história, uma dolorosa forma social e institucionalizada de legalidade.

São muitas as vozes que se têm atrevido a manifestar, com firmeza, esses atropelos da dignidade humana. Atropelos que chegam por vezes a constituir uma autêntica cultura da morte que, em todas as épocas, se manifestou na morte legal de inocentes.

A história recente mostra-o com crueza no genocídio hebreu, nas limpezas étnicas de tantos conflitos bélicos, ou no mais subtil e solapado tirar a vida a seres humanos antes do seu nascimento, ou antes de atingirem a meta natural da morte.

São sempre os membros mais débeis da sociedade os que correm maior risco diante dessa perigosa manifestação de intolerância: as vítimas costumam ser os não nascidos (aborto e manipulações genéticas); as crianças (comércio de órgãos); os doentes e idosos (eutanásia); os pobres (abusivas imposições de controle demográfico); as minorias, os imigrantes e refugiados, etc.

Porque será que se tem imposto este erro no mundo em tantas ocasiões? De onde provém o seu atractivo?

O atractivo do erro não provém do mesmo erro, mas sim da “verdade” – grande ou pequena- que nele palpita. Por isso o erro é sempre perigoso!

E a frágil “verdade” que está subjacente na cultura da morte – a que esta deve ter emprestado o seu atractivo é a pequena ambição: (desfazer-se do ancião ou do enfermo incómodos, eliminar uma nova vida que nos parece inoportuna, melhorar a qualidade de vida dos que permanecemos com vida) que, satisfazendo, fugaz e brevemente, as paixões humanas, obscurece e bloqueia a inteligência, até torná-la incapaz de perceber o erro que comete.
É paradoxal, que a “tolerância” tenha sido tantas vezes a bandeira desfraldada por aqueles que impunham esses erros.
Mas, por detrás da defesa que fazem dos direitos e das liberdades, esconde-se sempre um brutal atropelo dos direitos e liberdades mais elementares.

Detrás de uma máscara de tolerância, esconde-se a mais cruel e macabra prova de intolerância: a de não deixar viver o inocente.

Diante das, felizmente, crescentes possibilidades da medicina, esperamos que a deontologia médica desenvolva critérios de normalidade, critérios do que em justiça é devido a cada pessoa e, precisamente, aos velhos e doentes, em dedicação, cuidados e assistência médica básica; assim como os critérios relacionados com a idade, as perspectivas de cura e as circunstâncias pessoais: “as pessoas devem ser tratadas como precisam de ser tratadas!”

“Os Centros para atenção e cuidado de doentes terminais”, e não o movimento a favor da eutanásia é a resposta, humanamente digna, à situação em que nos encontramos.
Quando o morrer não se compreende e não se cultiva como parte do viver, significa que já se iniciou e se enveredou pela civilização da morte.




Maria Helena H. Marques
Professora do Ensino Secundário

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Flores de estufa


À nossa volta há sempre quem faça coisas erradas.

Por vezes juntamo-nos com os amigos e dizemos mal disto e daquilo, de quem fez isto e de quem fez aquilo.


Há sempre alguém que não foi suficientemente honesto, suficientemente corajoso, suficientemente leal. Alguém que pisou outros para subir na vida, ou abdicou dos seus princípios para obter uma vantagem, ou mentiu para se livrar de um problema. Alguém que realizou mal o seu trabalho.


Alguns desses actos são prejudiciais a outras pessoas, mas o autor dos erros é sempre vítima do seu comportamento. Quase sempre é ele quem mais sofre: de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde.


Quando deixamos de ser crianças, torna-se bem difícil viver! Caem sobre nós tormentas vindas de fora e de dentro. Quantas vezes sucede que os nossos actos se viram contra nós e se agigantam e nos perseguem pela vida fora! Quantas vezes sentimos saudade do colo da mãe, do braço forte do pai, da humildade perdida que nos permitia aceitar que nos guiassem em cada situação...


Viver é difícil. É preciso resistir. E é preciso, também, ter luz e força: saber o que fazer e ser capaz de o fazer. E nós, que às vezes nos juntamos e falamos das fraquezas dos outros, temos estado também em situações que nos pediam algo de valentia, dignidade, coerência com o que pensamos. E nem sempre fomos capaz de fazer o que devíamos ter feito.


Existe uma distância entre considerarmos correcta uma determinada atitude e actuarmos com correcção. E essa distância só a custo pode ser percorrida.

A vida moderna ofereceu-nos muitas facilidades: simplificou certas tarefas. No entanto, no que diz respeito aos nossos comportamentos, carácter, virtudes - à nossa qualidade enquanto pessoas - tudo continua a passar-se como com os nossos antepassados. Continua a ser difícil ser-se honesto, trabalhador, bom marido, boa mãe; o amor e a amizade continuam a ser tarefas exigentíssimas.

Sucede, porém, que é nestes aspectos que se joga a felicidade dos homens. De pouco me serve, para ser feliz, o facto de poder ir tomar café a Londres e voltar para o almoço, ou ter a possibilidade de assistir a um importante jogo de futebol comodamente instalado na sala de estar da minha casa, se o meu egoísmo me afastar diariamente dos outros. Ou se a consciência me acusar de ter conquistado dinheiro e bem-estar à custa de prejudicar outras pessoas.

A felicidade continua a exigir de nós comportamentos que não são compatíveis com a facilidade. Não nos tornamos felizes carregando num botão. É preciso subir montanhas, insistir em esforços prolongados; acreditar, até ao heroísmo, na lentidão. Por vezes, reunimos todas as forças e não sabemos se aguentamos até ao fim do dia.



Quando tentamos aplicar receitas fáceis àquilo em que se joga a nossa felicidade, não resolvemos nada. Essas "soluções" simples para dificuldades grandes acabam por ser formas de fugir e não de enfrentar: semeiam frequentemente tragédias em nós e à nossa volta, ainda que só se notem mais tarde, e transferem o nosso problema pessoal para o terreno pantanoso das torturas interiores, dos remorsos, da depressão, do vazio, do desespero.


Aqueles que foram - que fomos - fracos e estão a pagar por isso precisam de apoio, mas, olhando para diante, o que é preciso é formar homens fortes. Os nossos filhos devem ser mais fortes do que nós, mais capazes de serem felizes.


Alguns pais e educadores costumam, infelizmente, empenhar-se em tirar as dificuldades da frente das crianças e dos jovens, em vez de os ajudarem a tornarem-se fortes para as enfrentar. Dessa forma preparam seres frágeis, que têm, durante certo tempo, uma existência ociosa e doce, mas estão destinados a sucumbir à mais leve aragem da vida. Dessa forma se tornam responsáveis por uma espécie de flores de estufa, condenadas por atrofiamento à incapacidade de viver a vida como ela é.


Não é verdade que possamos eliminar da vida as grandes contrariedades, as decisões custosas, a doença, o esforço quase insuportável, a dor física e moral, a morte. Seremos felizes com eles ou não seremos felizes nunca. A vida é de tal maneira que o homem deve erguer-se nela como o castelo. Deve ser construído, pedra a pedra, de forma a permanecer no seu lugar quando sopram ventos inesperadamente fortes; de forma a cumprir aquilo que dele se espera, aquilo a que se comprometeu, aquilo que o torna feliz.



http://www.aldeia.pt/ (Paulo Geraldo)